Opinião

Mar esquecido

Há uma verdade que se torna cada vez mais difícil de ignorar: este Governo Regional dos Açores não quer saber da pesca nem dos pescadores. Esta não é uma frase dita ao acaso, nem sequer um desabafo, é mesmo uma constatação que se vai confirmando a cada decisão adiada, a cada promessa esquecida, a cada problema do setor que fica por resolver.

Os sinais são muitos e preocupantes. A gestão das quotas foi um desastre, as áreas marinhas protegidas, algo que todos defendem, foram tratadas a olhar apenas para um dos lados da equação, os apoios que não chegam, a degradação dos equipamentos portuários de apoio e a incompreensível falta de diálogo, fazem da pesca um setor ignorado.

A pesca nos Açores é uma atividade ancestral e sustentável. Moldou várias comunidades nas nossas ilhas. Esta atividade económica importante é tratada como irrelevante e está, claramente, ausente das prioridades políticas do Governo de Bolieiro,

Parecem esquecer que a pesca não é apenas uma atividade económica. É cultura, é identidade e sustento de centenas de famílias. É o pulsar de comunidades costeiras das nossas ilhas que vivem ao ritmo das marés.

Agora é a vez dos comerciantes serem atingidos pela criação de novas e agravamento das taxas aeroportuárias existentes. O setor foi surpreendido por este desmando maquinado, mais uma vez, sem dar o cavaco a ninguém.

Os comerciantes de pescado avançaram com protestos, tal como os pescadores já o fizeram, impondo equidade e bom senso. Não se trata de exigir favores. Trata-se tão só de exigir respeito. São duas classes do mesmo setor que se sentem verdadeiramente ameaçadas.

O Governo farta-se de falar em mobilidade e dá uns milhões para isso. Farta-se de falar em autossuficiência alimentar, na valorização dos nossos produtos locais e no aumento das exportações, mas o que faz é dificultar a vida aos comerciantes de pescado e, por tabela, aos próprios pescadores.

A anteproposta do Plano Regional Anual para 2026, prevê no programa “economia do mar” uma dotação com menos 8,4 milhões de euros do que o corrente ano, o que não deixa de ser um sinal do que aí vem.

Com o corte dos meios financeiros vão ficar por resolver os apoios prometidos para a renovação da frota, o investimento na formação e na segurança, a valorização dos produtos da pesca e, muito certamente, teremos cortes nos apoios às associações que substituem o Governo na execução de inúmeras tarefas.

O silêncio é ensurdecedor quando se trata de pesca. E quando há resposta, ela vem em forma de taxas e mais taxas, da crónica falta de capacidade nos aviões para exportar o pescado, de mais burocracia, de entraves administrativos, de medidas que parecem desenhadas por quem nunca andou numa embarcação ou em cima de um cais.

Sem pescadores, sem comerciantes de pescado, sem embarcações, sem políticas públicas que olhem para o mar com ambição e responsabilidade, a região perde mais do que peixe. Perde dignidade.