O debate sobre o novo regime jurídico do Sistema Elétrico dos Açores não é apenas uma questão técnica. É, acima de tudo, uma reflexão sobre o futuro da nossa Região e sobre a capacidade de construirmos um sistema energético moderno, competitivo e preparado para os desafios das próximas décadas. Nos Açores, energia significa competitividade, investimento, sustentabilidade e qualidade de vida.
A nossa realidade energética distingue-se profundamente da do território continental. Enquanto Portugal continental beneficia de um sistema elétrico integrado e interligado, os Açores dependem de nove sistemas independentes, nove micro-redes com necessidades e limitações próprias. Esta condição insular exige soluções específicas, maior rigor técnico e um planeamento ajustado a cada ilha. Por isso, qualquer diploma nesta área deve ser elaborado com visão, ambição e responsabilidade.
O diploma aprovado pelo Parlamento, no entanto, não corresponde a essa ambição. E este facto é especialmente preocupante quando observamos a evolução recente do setor energético regional. Nos últimos anos, assistimos a um abrandamento significativo da penetração de energias renováveis, um retrocesso que contraria os objetivos assumidos pelo Governo e o caminho europeu para a neutralidade carbónica. A Região encontra-se hoje bastante abaixo das metas definidas e, segundo testemunhos de quem opera no terreno, algumas dessas metas são já impossíveis de cumprir nos prazos previstos.
Perante esta realidade, seria de esperar um diploma capaz de corrigir bloqueios, de criar confiança, de atrair investimento privado e de impulsionar a inovação. Contudo, perdeu-se uma oportunidade de dar esse salto. O diploma ficou aquém do necessário para inverter a tendência negativa na produção renovável e colocar os Açores num trajeto de modernização energética.
O Partido Socialista procurou colmatar essas falhas com propostas concretas. Defendemos o reforço da transparência e da participação dos vários agentes do setor, conscientes de que um sistema elétrico robusto exige decisões claras, fundamentadas e escrutináveis. Propusemos mecanismos de consulta pública, maior visibilidade das decisões do operador e um acesso mais equitativo à informação, condições que teriam reduzido margens de discricionariedade e aumentado a confiança dos investidores. Ainda assim, estas propostas foram rejeitadas.
Apresentámos também a possibilidade de contratos bilaterais entre produtores independentes e consumidores, uma prática comum no continente e na Europa, que permitiria às empresas açorianas reduzir custos, aumentar a competitividade e estimular o investimento em renováveis. Era uma medida moderna, alinhada com as boas práticas internacionais, mas igualmente rejeitada.
Defendemos ainda a integração dos produtores independentes no planeamento energético da Região. Estes agentes, que investem capital próprio e conhecem profundamente os constrangimentos técnicos das nossas ilhas, poderiam contribuir de forma decisiva para um sistema mais eficiente e mais diversificado. A sua participação teria permitido aproveitar melhor o potencial renovável disponível, mas a maioria optou por não acolher esta proposta.
Num momento em que a penetração de energias renováveis está a desacelerar, seria essencial reforçar a neutralidade tecnológica e abrir espaço a soluções inovadoras, em vez de perpetuar modelos que já não respondem às necessidades atuais. Também esta proposta não foi aprovada.
No final, apenas três das propostas apresentadas pelo PS/Açores foram aprovadas. As restantes, apesar da sua relevância e do seu potencial transformador, foram rejeitadas pela maioria de direita. O resultado é um diploma necessário, mas insuficiente, que não projeta a Região para o futuro energético que os Açores precisam e merecem.
A energia não evolui por inércia. Exige visão política, estabilidade regulatória, confiança para investir e capacidade para inovar. Exige decisões que permitam aumentar a nossa produção renovável, reduzir a dependência externa, modernizar as redes e construir um sistema mais eficiente e sustentável. Este diploma podia ter sido esse passo. Não o foi.
Porque a energia é muito mais do que um setor económico. É a base da competitividade da Região, do bem-estar das famílias, da sustentabilidade ambiental e da capacidade de criarmos um futuro mais próspero para os Açores. E é por isso que continuaremos a trabalhar para que os Açores tenham a política energética que realmente merecem: ambiciosa, transparente, moderna e capaz de atrair investimento e inovação.
Russell Sousa
Presidente da Juventude Socialista Açores
Deputado do PS/Açores