Opinião

Do Torreão da Fajã: breve análise sobre as "barbaridades" do "suposto" Ministro da Ciência e afins

Começo com um disclaimer: tenho a firme convicção de que tudo é reformável e que não há vacas sagradas em lado nenhum — muito menos na educação e na ciência. 

Vem isto a propósito do tal Ministro da Educação, que também se arvorou em Ministro da Ciência. O homem resolveu dar uma lição de moral aos cientistas: afinal, eles têm “a obrigação de devolver à sociedade o investimento que recebem”. Para o público afeto ao populismo barato, é uma pérola: brilha nas conferências, rende título nos jornais e cria a ilusão de profundidade. Só que, como quase tudo o que sai do forno político entre Belém e São Bento, é um pastel mal amassado — muito açúcar por fora, nenhum recheio por dentro. 

Primeiro, porque parte de uma premissa digna de feira popular: a ciência como máquina de vending. Mete-se uma moeda (orçamento) e sai inovação quentinha em 18 meses. Não, senhor ministro. Ciência não é linha de montagem numa fábrica de "Renault 5" ou "Citroen 2 cavalos". É obra longa, feita de avanços e recuos, erros e revisões, onde muitas descobertas só mostram frutos décadas depois. Se Einstein tivesse sido julgado pelo critério do “retorno imediato”, ainda hoje andaríamos a polir rodas de madeira.

Segundo, porque revela uma amnésia conveniente. Portugal não começou a investir em ciência ontem. Com Mariano Gago e Manuel Heitor, houve consolidação de centros, bolsas reforçadas, internacionalização e algum ar de carreira científica. Isso também é devolver à sociedade: mais conhecimento, mais competências, mais futuro. Não foi perfeito, mas foi estrutural. Agora, chega o novo pregador com pose de beato saloio e decide acusar os cientistas de não cumprirem o “contrato social”. O que falha, senhor ministro, é a honestidade política — e a intelectual. 

Terceiro, porque a ciência devolve sobretudo a prazo. Em sociedades mais críticas, mais resilientes, capazes de enfrentar pandemias, crises energéticas e climáticas. Mas como isso não cabe em PowerPoints com bullet points, mais vale disparar chavões e arranjar bodes expiatórios. 

A verdade é que os investigadores já devolvem muito — apesar da precariedade imposta pelo próprio Estado. Podem e querem fazer mais, mas precisam de condições. A obrigação, ministro, é de todos. Só que a do governo é maior: dar estabilidade, visão e respeito. 

Devolver à sociedade? Sim. Mas talvez fosse tempo de o Governo começar por devolver seriedade. O resto são pastéis requentados de uma direita sonsa que confunde política científica com retórica de feira.