Há decisões que não se medem apenas em balanços. Há escolhas políticas que, mesmo vestidas de gestão, são na verdade opções sobre o tipo de sociedade que queremos construir. O futuro da SATA é uma dessas decisões.
Discutir a privatização da nossa companhia aérea não é só discutir um negócio. É discutir o direito à mobilidade num arquipélago onde sair da ilha é uma necessidade, não um luxo. É discutir se acreditamos que o mercado, por si só, garantirá que todas as ilhas fiquem ligadas, mesmo quando isso não dá lucro. É discutir se aceitamos que uma região ultraperiférica fique dependente do apetite de companhias que vêm e vão, conforme lhes dá jeito.
O Governo diz que não havia alternativa. Que Bruxelas impôs. Que a culpa vem de trás. Talvez tudo isso seja verdade. Mas quando uma decisão é tomada com base numa inevitabilidade, devemos ficar mais atentos porque as inevitabilidades, em política, são quase sempre uma forma de desistência.
Nos últimos dias, ouvimos trabalhadores, governantes, jornalistas, empresários… Todos à procura de culpados, de garantias, de números. Mas talvez devêssemos procurar outra coisa: clareza. Coragem para dizer a verdade toda. E sobretudo, visão.
A autonomia não é só um estatuto jurídico — é uma responsabilidade. Não podemos pedir mais poder para decidir e, quando chega a hora, esconder-nos atrás do argumento de que “não havia escolha”. Havia. Talvez não fosse a ideal, talvez fosse difícil, mas havia.
A Azores Airlines pode deixar de ser nossa. Mas a responsabilidade de garantir que continuamos ligados ao mundo não pode ser privatizada. O voo é mais do que um voo. É o que nos permite ser parte do resto do mundo, mesmo que no meio deste Oceano.
E isso, é mais do que gestão, é política!
(Crónica escrita para Rádio)