A saúde é, ou deveria ser, um dos pilares de qualquer sociedade justa. Nos Açores, o sistema público de saúde revela-se cada vez mais incapaz de responder às necessidades concretas da população. Enquanto os discursos políticos se multiplicam, acumulam-se falhas graves, e são os utentes quem paga o preço.
A história recente dos doentes com Machado-Joseph é um exemplo claro. Foi anunciado com pompa um tratamento inovador, com início previsto para maio, através de neuromodulação não invasiva no Hospital do Divino Espírito Santo. Mas passaram-se dois meses, e o que têm os doentes? Um equipamento sem o software necessário e sem pessoal qualificado para o operar. Não se trata de um simples atraso, é uma falha de planeamento básica que alimenta falsas expectativas em quem já vive com sofrimento diário.
Há doentes que, sem alternativa, pagam do próprio bolso tratamentos no estrangeiro. A saúde pública não pode ser um privilégio para quem tem dinheiro ou sorte, tem de ser uma garantia para todos.
Na verdade, esta realidade não se resume a uma doença. As listas de espera para cirurgias aumentaram quase 15% no primeiro trimestre face ao ano anterior, o tempo de espera ultrapassa os 450 dias em muitos casos, e há falta generalizada de médicos, enfermeiros e pessoal administrativo. Quem precisa de cuidados de saúde sente que está a mais num sistema que não responde adequadamente.
Num cenário de agravamento e precariedade das respostas de saúde na Ilha de São Miguel, em que o Governo atropela prazos e expectativas relativamente a soluções para o HDES, começaram a chegar aos funcionários públicos mensagens, via email, a divulgar a nova aplicação mySaúde Açores, destacando a Secretária Regional como protagonista da iniciativa.
Enquanto o sistema de saúde colapsa a prioridade da governação é uma inaceitável utilização da comunicação institucional da saúde pública para fins de promoção pessoal.
É neste clima de propaganda e ineficiência que cresce a frustração dos açorianos. A saúde não pode ser um campo de promessas não cumpridas. O foco tem de voltar a ser os doentes, os cuidadores, os profissionais de saúde que ainda resistem e fazem o impossível com o pouco que têm. A mudança não começa com slogans ou poses fotográficas, mas com decisões corajosas, com planeamento sério e com políticas que respeitem quem mais precisa.
Para lá do sistema que só funciona bem na imaginação de alguns, os Açores precisam de um sistema de saúde que funcione na vida das pessoas, aquelas que urge servir porque não podem nem devem continuar à espera.