Opinião

Bazucada nos valores democráticos

Muita tinta tem corrido ultimamente no mar mediático da política açoriana. Tem sido uma verdadeira roda viva entre notícias, comunicados, acusações, desmentidos e muita lavagem de roupa suja nas redes sociais.  O Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), outrora referenciado como bem para todos os males causados pela terrível pandemia que nos assola vai para dois anos, está a revelar-se um autêntico terror. Politicamente falando, claro. O PRR, delineado por especialistas contratados pelo Governo da República e posteriormente ratificado lá pelas Europas, sempre teve um pecado original: o choque com as economias de mercado. São €16,6 mil milhões, entre subvenções e empréstimos destinados ao investimento público e às empresas. Os muitos zeros levaram a uma cegueira coletiva. Ouvir falar em milhões e milhões de euros fez com que ninguém, ou muito poucos, olhasse para a substância. É que até parecia ingratidão… Mas a verdade é que o PRR assenta em três eixos principais. A saber: Resiliência, Transição climática e Transição digital.  Dentro destes eixos, foram definidas as respetivas áreas. A divisão dos milhões diz-nos que 30% das subvenções da “bazuca” serão destinados às empresas, mas a parte de leão vai para o investimento público, contemplado com mais de 60% do total dos subsídios (cerca de €10 mil milhões). Portanto, o fato chega (ou vai chegar) quase pronto a vestir. Pode-se sempre subir uma bainha aqui, fazer um aperto ali e mudar uns botões. E foi isso mesmo que pensaram os “alfaiates regionais”. A margem por cá era curtinha, mas lá decidiram dar um cunho muito pessoal. E está aí a prova à vista de todos. Os tempos mudaram, mas os governantes e acólitos do poder das décadas de 80 e 90 não acompanham esta mudança. Vai daí, à boleia de uma coisa ironicamente chamada de agendas mobilizadoras, decidiu o governo dos Açores, na pessoa do Senhor Secretário Regional das Finanças, colocar em marcha, em tempo recorde, a sua visão da coisa. Estava dado o primeiro grande passo para uma trapalhada política que já se está a ver como irá terminar. E que visão é essa? Simples, muito simples. É tudo aquilo que não devia ser. Como assim? Passo a explicar. Os Açores há muito que deixaram de ter capitais de distrito. Os Açores há muito que deixaram de ser uma sociedade corporativista. Os Açores há muito que deixaram de ser facilitadores de negociatas. Ora, o Sr. Secretário recuou à sua anterior passagem pelo executivo - já lá vão quase 30 anos! - e trouxe todas as práticas que julgávamos prescritas há muito para a política do século XXI. Olhando para uns milhões que quase pareciam caídos do céu, pegou no telefone e resolveu a questão. Um telefonema rápido para a Horta, outro para Angra e uma longa conversa num qualquer hotel de Ponta Delgada. Resolvidas as câmaras de comércio, quais representantes das capitais de distrito, fez-se de seguida uns lembretes aos empresários amigos. A missão estava quase concluída. Isto se estivéssemos nos Açores de há 25 anos. Como não estamos, e ainda bem, rapidamente foi exposta a enorme trapalhada em que o Dr. Bastos e Silva envolveu os Açores. Sim, o erro crasso foi do governante e dos seus cúmplices (agora reduzidos a apenas 1?), mas as consequências são para os mesmos de sempre. Não há por aí uma bazuca que, em vez de milhões, dispare coisas como transparência, igualdade de oportunidades e justiça?