Opinião

Sobre a arrogância

Arrogância 1 - A entrega, na Assembleia Legislativa, das propostas relativas às Orientações de Médio Prazo e ao Plano Anual Regional sem que fossem acompanhadas dos pareceres dos nove Conselhos de Ilha e dos parceiros sociais não é questão de somenos importância.

Muito bem esteve Vasco Cordeiro que imediatamente denunciou esta situação que é, de facto, escandalosa, porque consubstancia uma violação grosseira do direito próprio de audição que assiste àqueles Conselhos e parceiros e que não visa uma mera formalidade, mas a garantia da sua auscultação no momento prévio à apresentação dos instrumentos regionais de planeamento ao Parlamento Regional.

Muito mal esteve o Presidente da Assembleia Legislativa cujas declarações desvalorizam esta ilegalidade. Não se bastando com essa desvalorização, sugere que os deputados e deputadas se substituam ao Governo e procedam eles próprios ao pedido dos pareceres em falta. Se dúvidas tivéssemos, ficámos com a certeza de que o Presidente do Parlamento está disponível para pactuar, como está disponível para branquear grosseiros atropelos à lei e jamais ousará levantar a sua voz em defesa da legalidade e do legítimo exercício de direitos que o governo regional entenda preterir.

Já o Presidente do governo resolve um assunto com um cândido “não houve oportunidade”, como se a consulta prévia às entidades em causa fosse facultativa e dependesse, por isso, da tal oportunidade.

À semelhança do que aconteceu quando o mesmo governo anunciou que deixaria de haver comunicado do Conselho do Governo após as respetivas reuniões, assim como deixaria de ter lugar a sua apresentação pública, e remeteu os cidadãos para o Jornal Oficial e para o Diário da República, vejo nisto desprezo e arrogância e não me deixo encantar pelas vozes mansas que tentam passar a mensagem de que tudo isto é normal e aceitável. Não é.

 

Arrogância 2 – Na sua edição da semana passada, o jornal Expresso publicou um texto que Yuval Noah (o autor de Sapiens – história breve da humanidade) escreveu para o Financial Times, sobre as “Lições de um ano de COVID”. Noah alerta para aquilo que denomina de “nacionalismo de vacinas”, que, na sua opinião, “cria um novo tipo de desigualdade global entre os países capazes de vacinar a sua população e os que não o podem fazer” e acrescenta: “é triste ver que muitos não compreendem um facto simples nesta pandemia: enquanto o vírus se continuar a espalhar em qualquer lado, nenhum país se pode sentir verdadeiramente seguro”. Como já aqui defendi, o tempo é de solidariedade. Porque ela é um valor inalienável numa sociedade humanista. Porque este é um tempo em que não podemos deixar de atender às dificuldades dos outros e com eles partilhar os nossos recursos, ainda que escassos. E porque sozinhos não vamos a lado nenhum. Podemos vacinar-nos todos. Colocar-nos todos numa bolha. Mas, mais cedo do que tarde, seremos novamente confrontados com a realidade. Achar que sozinhos debelamos o vírus se nos vacinarmos em massa é de uma enorme arrogância.

Nada do que referi obsta ao esforço que é necessário fazer no aumento da capacidade de produção de vacinas na Europa e na instalação dessa capacidade em Portugal, para que possamos garantir a todos o acesso a um bem que hoje se tornou essencial.