Opinião

“Antes morrer livres que em paz sujeitos”

A frase que dá título a este texto foi retirada de uma carta escrita a 13 de Fevereiro de 1582 por Ciprião de Figueiredo, então corregedor dos Açores e grande apoiante de D. António I, Prior do Crato, ao rei Filipe II de Castela recusando-lhe a sujeição da ilha Terceira em troca de mercês várias. Em resposta à proposta de Filipe II, Ciprião de Figueiredo diz: “… As couzas que padecem os moradores desse afligido reyno, bastarão para vos desenganar que os que estão fora desse pezado jugo, quererião antes morrer livres, que em paz sujeitos. Nem eu darei aos moradores desta ilha outro conselho … porque um morrer bem é viver perpetuamente…” Esta frase foi “adotada”, através do Decreto Regional n.º 4/79/A, de 10 de abril (aprova os símbolos heráldicos da Região Autónoma dos Açores), como divisa a integrar o brasão de armas da Região Autónoma dos Açores. Esta incursão pela história vem a propósito da data em que escrevo: 2 de março. Este dia é um marco fundamental para a Autonomia. O Decreto de 2 de Março de 1895, ainda que apenas publicado no dia 4 de março, ficou conhecido desde sempre por “Decreto Autonómico”. Foi através deste diploma que se consagrou a possibilidade de os distritos do arquipélago dos Açores requererem, por maioria de dois terços dos cidadãos elegíveis para os cargos administrativos, a aplicação de um regime de autonomia administrativa. Continuando a recuperar a nossa história, impõe-se referir que o “Decreto Autonómico”, cuja autoria é atribuída a João Franco (na qualidade de Ministro e Secretário de Estado dos Negócios do Reino), resultou de uma intensa campanha autonómica e independentista, centrada na ilha de São Miguel, e que teve por artífices principais Aristides Moreira da Mota e Gil Mont’Alverne de Sequeira, considerados os fundadores da primeira autonomia açoriana. O regime, então instituído, baseava-se na existência de uma Junta Geral, semelhante àquelas que tinham existido até 1892, e num conjunto de receitas fiscais próprias que podiam ser livremente administradas por aquela Junta. Para tal, o «Decreto Autonómico» centrava-se no restabelecimento das Juntas Gerais distritais que tinham existido na vigência do Código Administrativo de 1886, mas com poderes mais amplos, com o Estado a transferir meios em dinheiro e pessoal que lhes permitiriam exercer funções administrativas e de fomento económico e social, embora mantendo uma forte tutela do Governo (da República). 126 anos após a aprovação do Decreto de 2 de março temos hoje, como não poderia deixar de ser, um regime autonómico muito diferente. Temos uma Constituição da República Portuguesa que reconhece e consagra os poderes da Autonomia. Temos um Estatuto próprio. Temos autonomia política. Temos autonomia legislativa. Temos autonomia administrativa. Temos autonomia financeira. Temos autonomia patrimonial. Temos uma bandeira. Temos um Hino. Temos direitos e deveres inerentes à insularidade. Temos orgulho na palavra “Açores”. Mas temos, ainda, muito caminho para trilhar. A Autonomia é, por definição, um processo em permanente construção. Há resquícios que se mantêm desde sempre. Há uma visão “distritivista” que ainda está presente na Região. Há um “governador” instalado no Solar da Madre de Deus em Angra do Heroísmo. Há “inimigos” no Terreiro do Paço, São Bento e Belém. Há ainda muita ignorância e alguma malvadez no ar quando o tema são as “Regiões Autónomas”. Por isso, é preciso não só assinalar condignamente a data de 2 de março como ter sempre presente a nossa divisa!