Opinião

Lei do Mar

As Regiões Autónomas, dos Açores e da Madeira, conferem a Portugal uma profundidade oceânica ímpar, que nos distingue, no contexto Europeu e Mundial. A Lei nº 17/2014, de 10 de abril, Lei de Ordenamento e Gestão do Espaço Marítimo Nacional (LOGEMN), frequentemente designada por Lei do Mar, regula o ordenamento e gestão do mar português. A Assembleia da República, no passado dia 23 de julho, aprovou a alteração à LOGEMN (Proposta de Lei nº 179/XIII - Altera a Lei n.º 17/2014, de 10 de abril, que estabelece as bases da política de ordenamento e de gestão do Espaço Marítimo Nacional https://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=43341), mediante iniciativa da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores (ALRAA), introduzindo alterações expressivas, ao nível da “participação” e no conceito de “gestão partilhada”, entre a administração central e regional. Importa recordar que “estávamos” na presença de uma desarticulação legislativa, no quadro legal em vigor, que se “impunha” corrigir, entre a Constituição da República Portuguesa (CRP), o Estatuto Político Administrativo (EPARAA) e a LOGEMN. A CRP confere, às regiões autónomas, o poder de “…participar na definição das políticas respeitantes às águas territoriais, à zona económica exclusiva e aos fundos marinho contíguos” (CRP – alínea s), artigo 227º - Poderes das regiões autónomas). O EPARAA (Lei nº 2/2009 de 12 de janeiro – Aprova a terceira revisão do Estatuto Político Administrativo da Região Autónoma dos Açores - EPARAA) refere que “…os demais poderes reconhecidos ao Estado Português sobre as zonas marítimas sob soberania ou jurisdição nacional adjacentes ao arquipélago dos Açores, nos termos da lei e do direito internacional, são exercidos no quadro de uma gestão partilhada com a Região, salvo quando esteja em causa a integridade e soberania do Estado” (EPARAA – ponto 3, artigo 8º – Direitos da Região sobre as zonas marítimas portuguesas), bem como que se consideram respeitantes à região as normas que incidam sobre “as águas interiores, o mar territorial, a zona contígua, a zona económica exclusiva e a plataforma continental contíguas ao arquipélago” (EPARAA – alínea a), ponto 2, artigo 116º – Audição sobre o exercício de competências legislativas). A LOGEMN determina(va) que “os instrumentos de ordenamento do espaço marítimo nacional (…) são elaborados pelo Governo, com consulta prévia dos órgãos de governo próprio das regiões autónomas (Lei nº 17/2014, de 10 de abril – nº 1, artigo 8º.) (…), bem como que “(…) Os instrumentos de ordenamento do espaço marítimo nacional que respeitem à plataforma continental para além das 200 milhas marítimas são elaborados pelo Governo, ouvidas as regiões autónomas (Lei nº 17/2014, de 10 de abril – nº3, artigo 8º.) (…)” Em síntese, parece(ia) evidente a necessidade de articulação entre a LOGEMN quando restringia, a intervenção das regiões autónomas, a uma ‘consulta prévia’ ou a uma mera ‘audição’, que podiam ou não ser tidas em conta, numa limitação objetiva do poder de ‘participação’, conferido pela CRP, ou de ‘gestão partilhada’, conforme o EPARAA. Neste processo, destacamos quatro momentos (Proposta de Lei nº 179/XIII - Altera a Lei n.º 17/2014, de 10 de abril, que estabelece as bases da política de ordenamento e de gestão do Espaço Marítimo Nacional https://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=43341), que se nos parece poderão merecer registo: 1) a proposta de alteração nº 179/XIII, da iniciativa da ALRAA, que deu entrada na Assembleia da República em janeiro de 2019, tendo merecido aprovação na generalidade em 18/06/2019; 2) o processo, de discussão e votação, na especialidade em sede de Comissão de Agricultura e Mar (comissão competente), considerando os contributos, em conexão, das Comissão de Direitos Liberdades e Garantias, Comissão de Defesa Nacional e Comissão de Negócios Estrangeiros; 3) a votação final global, em plenário da AR, no dia 23 de julho de 2020, tendo sido aprovada por maioria, apesar de aprovado por unanimidade na ALRAA; 4) a promulgação, em curso, pelo Senhor Presidente da República e respectiva publicação para entrada em vigor. A proposta aprovada salvaguarda a participação efetiva das regiões autónomas nos instrumentos de ordenamento e gestão. Em resumo, atribui competências de propositura à administração regional, até às 200 milhas marítimas, mediante parecer vinculativo da administração central em matérias de soberania e segurança. Por outro lado, para além das 200 milhas marítimas, atribui competências de propositura à administração central, reservando às regiões autónomas a emissão de parecer vinculativo. Parece-nos estar na presença de uma solução equilibrada, que inclusive mantém as competências e os princípios perseguidos pela lei atualmente em vigor, clarificando e concretizando uma participação efetiva das regiões autónomas e da administração central, no desenvolvimento do conceito de gestão partilhada. Estamos no momento de promulgação pelo Senhor Presidente da República. Algumas opiniões, quer de deputados a título individual, quer de partidos políticos que não votaram favoravelmente a alteração proposta, expressam dúvidas “entusiásticas”, sobre a constitucionalidade do aprovado. Dúvidas essas que não encontravam no anterior quadro legal, mesmo sem concretizar qualquer proposta, sobre o que manifestam discordância. Expressam uma visão centralista, de um Portugal governado a partir do Terreiro do Paço, esquecendo as competências de um poder regional autónomo, consagrada na CRP. Antecipam, aparentemente com receio, uma posição do TC, caso seja solicitada, como se essa pronúncia, não fosse exatamente função do TC, assegurando o indispensável respeito pela CRP. Por último, importa relembrar que, mesmo depois de conhecida a proposta de alteração da ALRAA, este processo foi sufragado nas últimas eleições legislativas nacionais, constando do programa do XXII Governo Constitucional, aprovado na AR, que propõe (…) “concretizar uma maior intervenção das regiões autónomas em sede de gestão e exploração dos espaços marítimos respetivos, através da alteração da Lei de Bases da Política de Ordenamento e Gestão do Espaço Marítimo Nacional. E…bem!!!