Os dados recentemente divulgados sobre a evolução da pobreza nos Açores merecem uma leitura cuidada, responsável e, sobretudo, honesta. É inegável que há hoje menos pessoas a viver abaixo do limiar de pobreza. A taxa de risco de pobreza diminuiu de forma significativa e este facto deve ser reconhecido. Mas não pode ser celebrado de forma acrítica.
Desde logo, porque esta melhoria não é transversal. Pelo contrário, esconde realidades profundamente preocupantes. As famílias com crianças estão hoje numa situação mais vulnerável do que em anos anteriores e, dentro destas, as famílias monoparentais, maioritariamente constituídas por mulheres com filhos a cargo, continuam a ser um dos grupos mais expostos ao risco de pobreza. Enquanto os indicadores globais melhoram, há segmentos da população que ficam para trás, aprofundando desigualdades já estruturais.
Importa também sublinhar que uma parte significativa desta redução está ancorada na diminuição da pobreza entre os idosos. Tal como vários especialistas têm salientado, este resultado decorre essencialmente do aumento dos rendimentos provenientes das pensões de velhice, dos complementos de pensão e de prestações extraordinárias. A robustez destas medidas é da responsabilidade da República e teve um impacto direto e imediato na melhoria das condições de vida de muitos idosos Açorianos. Trata-se de um efeito positivo e socialmente justo, mas que não traduz uma alteração estrutural da economia regional nem uma transformação profunda do mercado de trabalho.
Este contexto obriga a uma reflexão política séria. Se o desemprego ronda os 6% e o risco de pobreza e exclusão social atinge 21,6% da população, isso significa que muitos Açorianos trabalham e, ainda assim, permanecem pobres. A ideia de que basta trabalhar para sair da pobreza não corresponde à realidade de cerca de 13,5% da população empregada nos Açores.
Por isso, não devemos sobrevalorizar a ideia de uma economia robusta, até porque o crescimento regional previsto será inferior ao nacional. O combate à pobreza exige políticas integradas, visão estratégica e coragem política. Porque a verdadeira medida do sucesso das políticas públicas não está nas médias estatísticas, mas na vida concreta das pessoas. E, para muitas famílias açorianas, sobretudo as que têm crianças, a pobreza continua bem presente no dia a dia.
Que este Natal seja também um tempo de compromisso coletivo com a dignidade e a justiça social, para que nenhuma família açoriana fique para trás.