Opinião

A má-criação dos Portugueses ... acerca de Grândola e de se tomar no...

“Grândola Vila Morena” voltou aos tops nacionais não no seu formato original mas na mais recente versão a cappella e cujas provas de vídeo se têm tornado sucessos virais quase comparados ao internacional top “Gangnam Style”. Cantada na Assembleia da República, interrompendo a intervenção de Passos Coelho, ou no Clube dos Pensadores, fazendo Miguel Relvas tentar acompanhar em desafino os cantores, a segunda música tocada na madrugada do 25 de Abril tem feito as delícias de todos. Para uns, a constatação do óbvio: Miguel Relvas não só não sabe cantar a música (porque desafina imenso) como também não conhece a letra. É que isto da cultura musical e de saber mais ou menos um tom é coisa de artistas e não assiste ao ministro dos assuntos parlamentares. Acredito que desde que se reformou, Relvas tenha tido pouco tempo para melhorar os seus dotes vocais. Resta-lhe, ao contrário de Cavaco Silva, a sensatez da suspensão da reforma quando integrou o executivo de coligação. Para outros, uma demonstração de falta de civismo e de má criação, ao se interromper quer um quer o outro na livre expressão democrática das suas vozes. É que isto de se ter um primeiro ministro a discursar e ser interrompido é muito grave, especialmente na Assembleia da República. E então no Clube dos Pensadores? É grave até porque quem não se pôs a pau ainda se arriscou a levar um “tá calado!” ou um estalo de Joaquim Jorge, fundador do Clube, que se exaltou com o sucedido. Uma coisa é certa: o povo tem direito à indignação e ao protesto. E tem-no contra os representantes deste Governo, vulgo obreiros da Troika. No entanto, as consequências e resultados práticos deste tipo de acção são quase nulos: criam ruído mediático, trazem “Grândola Vila Morena” de novo às tabelas de músicas mais ouvidas, chateiam sobremaneira os governantes, mas na prática... pouco ou nada. E isto porque são manifestações espontâneas e desorganizadas. Não obstante, são sintomáticas de um Governo altamente contestado, com governantes que aparentemente não têm a consideração do povo. Daquele povo que interrompe desta maneira os seus governantes. Isto só acontece porque o povo está de tal forma desesperado que a “má educação” da interrupção é irrelevante. Ao menos, ao contrário da “Parva que sou” dos Deolinda, esta Grândola traz um quê de esperança e de mobilidade. Não somos parvos, estamos atentos. Fosse o Governo da República menos invasivo e coercivo e se calhar parte da má-criação atribuída aos portugueses neste momento desapareceria. Tal como Francisco José Viegas deixou bem claro o que dirá caso seja abordado por um funcionário da Autoridade Tributária por incorrer no pecado de não pedir a factura. É porque este Governo institui como contra-ordenação o não se pedir factura aquando de todo e qualquer acto de compra. Parte do pacote de medidas relacionadas com a obrigatoriedade de os comerciantes passarem facturas, veio também a obrigatoriedade do cliente a pedir. Dois em um: obriga-se os comerciantes a renovar equipamentos de facturação em prol de um maior controle do Estado sobre a evasão fiscal e ao mesmo tempo incute-se o medo nos consumidores para as consequências de uma multa caso não obriguem o comerciante a lhes passar o papel. Surreal, tudo isto. Fosse ficção e estávamos a ver uma crítica à nossa sociedade de obrigatoriedade e coerção. Sendo realidade, estamos a ver a tristeza de um país que não consegue fazer valer as suas leis nem a sua autoridade, recorrendo (mais uma vez) ao desgraçado do povo para poder ser alguma coisa. Papel? Qual papel? Se a lei permite que a factura seja emitida até cinco dias úteis depois da compra, como é que se operacionaliza a consequência de, digamos, um breve esquecimento de solicitar o papel quando se encontra um fiscal da Autoridade Tributária nas redondezas? Para Francisco José Viegas o caso é fácil: manda-se tomar no cú. Educadamente, claro, que nem o fiscal tem culpa da estupidez da lei nem os portugueses são malcriados por defeito. Muito pelo contrário, se há coisa que tem sido enaltecida no nosso nobre povo é seguramente a capacidade de resistência ordeira e de vítima resignada de agressão. O povo não tem culpa que o Governo não seja capaz de fazer cumprir as suas disposições. Nem tão pouco que não seja capaz de – como tanto apregoou – cortar mordomias e benesses a torto e a direito para endireitar o que nasceu torto em Portugal. Não consegue porque apesar de se dizer que não se move por motivos eleitoralistas o certo é que enferma dos mesmo tiques: pensemos no problema que se tornou a barragem da Ribeira das Cortes. Contra tudo e contra todos os pareceres técnicos, uma promessa é uma promessa e as remodelações no Governo servem para isso mesmo: para endireitar o rumo eleitoralista. Passos Coelho só pode ser interrompido, tal como Relvas. Quer um quer o outro padecem de cada vez menos autoridade e estão, aos olhos do povo, na mira do alvo. Esperar até 2015? Assim, resignados e à espera que nos caia o céu em cima da cabeça? Alguém devia explicar ao não-licenciado-sem-integridade-nem-sono que existem eleições antecipadas e dissoluções exactamente para estes casos em que não faz sentido argumentar-se: olha, aguenta-te e espera pela oportunidade de voltares a votar. Não senhor, as votações são determinadas pelo povo, e quando a situação é insustentável, antecipa-se o que está previsto para o futuro. Nem no Carnaval conseguiu – de novo – o Governo mandar em alguma coisa. Mandou, mandou impedir a tolerância durante o Carnaval. E o povo respondeu: vai tomar café que eu já volto, encabeçando esta espécie de desobediência civil os autarcas do nosso país. Serve ao menos para que se vão apercebendo que aquilo que pensam que é a realidade do país não é necessariamente a realidade do país. E tanto Passos como Relvas (mais este do que aquele) parecem viver numa realidade alternativa à que os restantes portugueses vivem.