Há momentos em que a política regional parece viver num mundo paralelo, onde a aparência vale mais do que a substância e a festa se sobrepõe à responsabilidade. A comemoração dos 26 anos do Hospital do Divino Espírito Santo (HDES) foi um desses momentos. Porque, convenhamos, é no mínimo provocatório celebrar com bolo uma instituição que, passados 18 meses de um incêndio, continua sem projeto para a sua requalificação e sem resposta às dificuldades diárias de utentes e profissionais.
Em audição na Assembleia Regional, a secretária afirmou não saber quanto será investido na requalificação do HDES em 2026, nem se comprometeu com prazos, justificando tal indefinição com o receio de falhar prazos. Mas afinal, que planeamento é este? Governar não é adiar, é decidir.
Mais grave ainda é que o plano funcional em discussão não contempla questões estruturantes para o futuro da saúde em São Miguel, como a integração do Centro de Saúde da Ribeira Grande, o Centro Académico Clínico ou o Hospital Universitário. O cenário ganha contornos ainda mais sérios quando se sabe que o mesmo plano prevê externalizar o serviço de hemodiálise do HDES. Qual o responsável por tal ideia insensata, quando não existe na região qualquer clínica privada que realize este tratamento vital? Estamos a falar de doentes que dependem deste serviço para viver, literalmente.
E se o caso do HDES é preocupante, o do Centro de Saúde da Ribeira Grande é simplesmente incompreensível. A governante justificou a ausência de verba para esta obra com o facto de “já terem adquirido o terreno” e de a construção estar agora sob a tutela das Infraestruturas, não sendo, portanto, da sua responsabilidade. Então? A responsável pela Saúde não tem palavra sobre a construção de um centro de saúde? Este é o retrato de um Governo que não se entende consigo próprio, passam responsabilidades de uns para os outros, demitindo-se das suas próprias funções.
A ilha de São Miguel, onde se concentra a maior população e a maior pressão sobre o sistema de saúde regional, não pode continuar a ser tratada com desleixo. O Partido Socialista tem apresentado propostas para a saúde, recusadas sistematicamente pela maioria que sustenta o Governo, não por falta de mérito, mas por teimosia política.
Enquanto o Governo prefere festas a soluções, os açorianos continuam à espera. À espera de um hospital digno, de um centro de saúde na Ribeira Grande e de um executivo que perceba que governar é agir, não celebrar. Porque, no fim, não é só o bolo que se esfarela; é também a confiança dos cidadãos num Governo que parece confundir comemoração com ação e simulação com estratégia.