Dos extremos, nada de novo: é enfrentá-los para não engolir pastéis estragados
Em tempos de incerteza, os extremos — sobretudo os da direita — ganham palco. Há quem grite à direita, há quem esbraceje à esquerda. Uns usam gravata, outros levantam o punho com a nostalgia de um tempo que já ninguém quer — ou devia querer — repetir. Mas uma coisa é certa: ambos servem pastéis estragados. E não há estômago que aguente.
De um lado, o neofascismo mascarado de “sentido comum”, travestido de indignação moral e bandeiras nacionalistas, sempre em guerra cultural. Do outro, o marxismo-leninismo recauchutado, preso às suas próprias contradições, agarrado ao passado como se nele estivesse a solução. Entre o “C” do início e o “C” do meio, venha o diabo e escolha — ou talvez nem o diabo se meta nisso.
Sejamos claros: o fascismo contemporâneo é o mais perigoso porque aprendeu a disfarçar-se.
Não grita, sussurra. Não chega com botas, chega com memes e indignações fabricadas. Não ameaça com baionetas, mas com hashtags e discursos de “liberdade” que só servem para oprimir quem pensa diferente.
Hoje, não se apresenta com suásticas, mas com bandeiras ao peito e selfies no Parlamento. Finge ser o povo contra as elites, mas vive do poder e do privilégio. Alimenta-se de algoritmos, de ressentimento acumulado e da erosão lenta da confiança nas instituições. Não é apenas uma ameaça ideológica — é uma ameaça existencial à democracia liberal.
E o mais inquietante? A direita sonsa e “responsável” começa a ceder. Primeiro tolera, depois normaliza, por fim imita. Troca a espinha dorsal pela coluna de likes. A fronteira ética, antes firme, é agora um pórtico giratório onde entra quem der mais votos.
Muitos dos que se dizem herdeiros de Sá Carneiro ou Mota Pinto esquecem que esses nomes construíam pontes com valores, não muros com oportunismo. Hoje, ignoram os sinais — ou fingem não ver — desde que isso signifique poder imediato e silêncio cúmplice com os radicais. E é nesse silêncio que o autoritarismo ganha espaço, voto a voto, até já não precisar de gritar para dominar.
No extremo da esquerda, também não há entusiasmo. Quando o discurso se resume a slogans da Guerra Fria, e a revolução prometida nunca chega, sobra o eco de certezas absolutas e retórica vazia. E no meio, o povo — esse que só quer dignidade, saúde, futuro — vê-se preso entre um espantalho autoritário e um altar de pureza ideológica.
Radicalismos não constroem. Dividem. Sufocam o debate, trocam razão por trincheira. E não raras vezes, até se tocam nos bastidores: estratégias semelhantes, formas de poder iguais, exclusão como norma.
Por isso, temos de ser firmes: o extremismo — especialmente o fascismo — tem de ser travado. Pela lei, pela cultura democrática, pela coragem de dizer “não”. Seja qual for a cara, a farda ou a gravata. O fascismo moderno já não precisa de tanques — basta-lhe um microfone e a complacência dos que fingem que “não é bem assim”.
E sim, são capazes de tudo: até de instrumentalizar crianças em debate político, sem pudor, só para incendiar o ambiente e captar atenções. A estratégia? “Dividir para reinar.” A motivação? Ego, poder e ressentimento.
O país não precisa de pastéis ideológicos recheados de ódio. Precisa de democracia firme, convicções éticas e coragem para dizer: não engolimos mais pastéis!
Mas afinal… onde está o centro corajoso que resiste sem se esconder? Onde está a política que não grita, não cede, mas constrói? Onde estão os que enfrentam extremos com firmeza e consensos podres com lucidez? Será que ainda há espaço para uma moderação combativa, sem indecisão nem conveniência?