Há algo de profundamente simbólico em celebrar o Dia da Região Autónoma dos Açores na segunda-feira do Espírito Santo. A tradição secular que leva milhares de açorianos a partilhar a mesa das sopas com quem chega, com quem fica e com quem regressa diz mais sobre a nossa Autonomia do que muitos discursos bem-intencionados.
É claro que a Autonomia é uma obra política, é conquista constitucional, é construção institucional. Mas é também, e talvez antes de tudo, um gesto comunitário. É um pacto silencioso entre ilhéus que, em vez de se fecharem no isolamento, escolheram abrir-se em partilha. A verdadeira força da nossa autonomia não está apenas nas competências legislativas ou nas reivindicações de mais financiamento. Está naquilo que somos quando ninguém nos obriga a sê-lo: solidários, persistentes e teimosamente esperançados.
Na sessão solene do Dia da Região falou-se de finanças públicas, de revisão constitucional, de combate às dependências, e até do potencial estratégico dos Açores. Temas centrais, sem dúvida. Mas talvez o mais importante não tenha sido dito: a Autonomia só vale se for sentida. Se fizer sentido para os jovens que cá querem ficar, para os idosos que cá resistem, para os que regressam porque sentem que o lugar lhes pertence.
Num tempo em que tanto se fala de crises políticas, talvez devêssemos olhar mais para o que se passa fora do mundo onde a política se desenrola. Para as mãos que servem as sopas, para os braços que acolhem, para os olhos que ainda brilham quando ouvem o hino dos Açores. Porque a Autonomia também é isso: sabermos de onde vimos, termos orgulho no que somos e continuarmos a acreditar, mesmo nos dias difíceis, que vale a pena sermos Açores.
(Crónica escrita para Rádio)