Opinião

Quem com votos mata, com votos morre

As eleições passaram e, com elas, chegou o momento de pensar no que dizem os resultados sobre o país — mais do que sobre os partidos. A vontade do povo foi expressa de forma clara, apesar de ainda não haver fumo branco quanto à formação de Governo. A democracia funciona assim: dá-nos voz, dá-nos escolha, e obriga-nos a ouvir os outros, mesmo quando não concordamos.

Não gosto de diabolizar quem vota em partidos como o Chega — nunca gostei. Não me revejo nesse tom, mesmo que o inverso aconteça com frequência. Acredito, sinceramente, que muitas dessas pessoas votam em protesto, por desilusão, por revolta — e é legítimo sentirem-se assim. O problema é que há quem use essa revolta para fins maiores, mais perigosos, e que escapam à compreensão de muitos que apenas queriam fazer-se ouvir.

Sei que há quem pareça ter medo de dizer esta palavra, mas caro ouvinte: o fascismo não se normaliza apenas quando se aceita conviver politicamente com partidos que transportam essa herança ideológica. Normaliza-se também quando se explora a ingenuidade — no sentido mais literal — de quem desconhece o que foi o fascismo, o que representa, e que, às vezes sem se aperceber, começa a defender ideias que os seus avós combateram.

O perigo da normalização está aí: em deixar que o medo, a exclusão e a intolerância se instalem sem resistência. Em olhar para o crescimento de um discurso perigoso e dizer que é “só mais uma opinião”.

O desafio que o país tem pela frente não é o de excluir quem pensa diferente. É o de resgatar o espaço do diálogo, da política com valores, da democracia com memória. Isso faz-se com coragem. Com firmeza. Mas também, e sobretudo, junto do povo. Sem exceção.

O futuro não se escreve com rancor ou revanchismo — mas é isso que está a acontecer. Estas eleições mostraram a força do voto. E, adaptando o velho ditado: quem com votos mata, com votos morre. A democracia tem memória e o futuro, mais cedo ou mais tarde, cobra as escolhas que fazemos hoje.

 

(Crónica escrita para Rádio)