Opinião

Indiferença

É fruto de cansaço, de inconsequência, de permanente e reiterada exposição ao choque e à miséria humana, de tornar-se um hábito que se dilui em pouco mais do que um incómodo resignado. São as imagens e as histórias de uma guerra, lá longe, da fome pela qual ainda tantos passam, da pobreza que ostraciza, divide e se transmite hereditariamente. São os gritos abafados que acrescentam dor aos números sem rosto da violência doméstica. São as vítimas da seca, das alterações climáticas, do desemprego, do trabalho infantil, da solidão e da exploração do outro - anónimo que é e assim continuará. Tudo nos entra pela casa adentro. Um mundo ao vivo, a cores e distante. Mostrado por aparelhos que, prescientes, estão programados para se desligarem sozinhos. A indiferença é a anestesia dos sentidos. Corrói a empatia e, mesmo usada como escudo face ao mundo, desumaniza e amplia a desconexão. O outro, progressivamente, torna-se pouco menos do que uma imagem que se desvanece até não sobrar mais do que uma memória, também ela, ténue. É assim que, lentamente, uma sociedade resignada passa, nas palavras de Balzac, por um “suicídio quotidiano”.