Opinião

“Felicity ace”

No passado mês de fevereiro o Mar dos Açores foi surpreendido com um incêndio no porão de carga do “FELICITY ACE”. Trata-se de um mega navio, transportador de veículos, construído no ano de 2005 e que navegava com bandeira do Panamá. Nas suas características inclui uma capacidade de carga na ordem das 17.738 toneladas e um calado de 9,2 m, para um comprimento de 199 m e uma largura de 32,26 m.

Transportava cerca de quatro mil viaturas, entre portos com uma forte atividade relacionada com a indústria automóvel nomeadamente, do porto de EMDEN na Alemanha, de onde tinha partido a 10 de fevereiro, para o porto de Davisville, em Rhode Island, na costa leste da América do Norte, onde tinha chegada prevista para o dia 23 de fevereiro. Nas viaturas transportadas incluem-se as marcas porche, bentleys, audi e lamborghini, com perdas estimadas na ordem dos 155 milhões de dólares.

No dia 16 de fevereiro foi anunciado um incêndio de grandes proporções no “Felicity Ace”, quando se encontrava a cerca de 100 milhas náuticas a sudoeste da ilha do Faial, sendo ativada a marinha portuguesa, através do NRP Setúbal, para acompanhamento e supervisão da situação. No dia 17 de fevereiro é tornada pública a evacuação dos 22 tripulantes, numa atividade coordenada pela marinha e força aérea portuguesa, ficando o navio à deriva em pleno Oceano Atlântico com a sua operacionalidade comprometida próximo da posição 37° 26’ 29.2” N, 029° 29’ 21.8” W. No dia 18 de fevereiro a empresa gerente do navio, a MOL Shipmanagement Singapore, anuncia a indicação de uma empresa de salvamento não havendo ainda registo de sinais de poluição. No dia 20 de fevereiro é anunciada a participação nesta operação de grandes rebocadores, com capacidade de combate a incêndios: o “ALP Guard” com bandeira da Holanda, com partida do porto da Aliaga, na Turquia; o “Dian Kingdom”, com bandeira da Holanda, com partida do porto de Algeciras, em Espanha; bem como o “VB Hispania” com bandeira de Malta. No dia 21 de fevereiro mantém-se a situação de incêndio no “Felicity ACE”, sendo anunciadas equipas especializadas para avaliação da situação e condições de reboque. No dia 23 de fevereiro consegue-se finalmente colocar a bordo equipas de resgate e salvamento que concretizam a amarração de cabos de reboque, que permitirá assumir o controlo do navio e a sua condução em função de eventuais necessidades de intervenção, quer na afetação de meios, quer no controle de poluição que importa prevenir. No dia 24 de fevereiro é anunciada a estabilidade da situação, sem focos de incêndio visíveis, estando a decorrer operações de arrefecimento do navio, prevendo-se a operação de reboque do navio, para cerca de 60 milhas a sudoeste da ilha do Faial, permitindo facilitar o acesso de equipas de peritos a transportar por helicóptero civil. No momento em que escrevemos estas linhas, era abordada a possibilidade de afinal o “Felicity ACE” ser rebocado para alto mar, previsivelmente para fora da Zona Económica Exclusiva dos Açores, o que nos leva a deduzir a possibilidade de afundamento do bem como a necessidade de acautelar eventuais riscos de poluição.

Num tempo de reflexão sobre a (re)centralidade atlântica na geopolítica Internacional, onde navegam, pelo Mar dos Açores, um número significativo de navios, inclusive de grande dimensão, como é o caso do Felitcity ACE, que por diferentes motivos necessitam de serviços que podem ser assegurados a partir desta plataforma natural, situada no centro do Atlântico.

O acidente do Felicity ACE lança o desafio de (re)pensar a capacitação estratégica dos Açores, para uma resposta a diferentes solicitações que se perspectiva que se venham a repetir, nomeadamente: em relação aos meios disponíveis e à capacidade de assegurar a soberania nacional; à existência de sistemas de geolocalização que permitam projetar e acompanhar o ordenamento e controlo do tráfego marítimo; a necessidade de equipas de prevenção preparadas para intervir em situação de avaria e/ou incêndios em alto mar; a capacidade de reboque ajustada para situações de manobra reduzida; a capacidade de intervir na prevenção de situações de risco de poluição; a definição de áreas e planos ajustados a uma ação adequada face às necessidades; a formação adequada para a prestação de serviços de emergência.

O desastre do Felicity ACE poderá ser visto como um alerta para um caminho no posicionamento estratégico para o Mar dos Açores. Parece simples, mas não é! Muito há a fazer e, terá mesmo de ser feito!