Opinião

Orçamento

A esquerda à esquerda do Partido Socialista, até ontem parceira do PS na solução governativa que permitiu recuperar Portugal dos anos devastadores da TROIKA, enfrentar a pandemia e as suas gravíssimas consequências sociais e económicas, geradas pelas medidas restritivas de resposta à crise sanitária, sem cortar salários nem pensões, contendo o desemprego, ampliando e inovando apoios sociais e atingir uma taxa de vacinação contra a COVID 19 que é um exemplo para a Europa e para o mundo, esta esquerda, juntou-se ontem à direita e à extrema direita para chumbar a proposta do Orçamento do Estado (OE) para 2022.

Esta esquerda não quis que o OE descesse à especialidade e que aí lhe fossem introduzidas melhorias, que acresceriam às propostas por ela apresentadas e já constantes da Proposta de Lei que o Governo entregou no Parlamento.

Esta esquerda à esquerda do PS inviabilizou a discussão na especialidade do Orçamento mais à esquerda que os Governos do PS trouxeram à Assembleia da República.

Quem acompanhou o debate do OE percebeu a enorme dificuldade que o BE, o PCP e os Verdes tiveram para justificar o seu voto. No caso BE, e como bem explicou o Primeiro Ministro, das nove medidas apresentadas, apenas uma versa matéria orçamental, já que as demais implicam negociação, por exemplo, ao nível da concertação social, sendo certo que o Governo, nesta data, já aprovou a Agenda para o Trabalho Digno, que iniciaria agora o seu percurso.

Com o chumbo do OE, a esquerda à esquerda do PS impede que os pensionistas beneficiem do aumento extraordinário das pensões já no próximo mês de janeiro; impede o reforço em 700 milhões de euros do Serviço Nacional de Saúde que funcionará, até que haja uma solução, por duodécimos; impede que as famílias comecem a beneficiar da gratuitidade das creches; impede que 770.000 contribuintes deixem de pagar IRS, porque inviabilizou o aumento do mínimo de existência; impede os jovens de verem reforçada a bolsa de ação social para apoio às propinas de mestrado de 600 para 2.700 €; tira aos jovens o alargamento a cinco anos do IRS jovem.

Com o seu voto, esta esquerda impede que nos próximos 2 anos sejam investidos 900 milhões de euros no programa de recuperação de aprendizagens; impede o reforço do combate à pobreza infantil porque acaba de inviabilizar a prestação de Garantia da Infância, e o aumento do abono de família e das deduções fiscais para pessoas com filhos a cargo.

O que concluímos, após a votação do Orçamento do Estado, é que esta esquerda não conseguiu pôr o interesse do país acima das suas estratégias partidárias.

Esta esquerda não quer saber se o chumbo do OE afeta a credibilidade de Portugal nos mercados (já se esqueceu da crise provocada por um ataque indecente às dívidas soberanas); não quer saber como serão afetados os fundos para a recuperação; não quer saber do desalento dos milhões de portugueses que aguardavam pelo início da vigência do OE 2022.

Esta esquerda, passados seis anos, está cansada da responsabilidade que é garantir uma governação estável para que o progresso possa concretizar-se. Quer voltar ao protesto e livra-se da responsabilidade de decidir e de, por isso, fazer escolhas.

Numa negociação, nenhuma das partes pode exigir a integral satisfação de todas as suas pretensões. Uma negociação exige disponibilidade de ambas as partes para ceder. Quando está em causa a negociação de um Orçamento do Estado, exige ainda elevado sentido de responsabilidade, aceitar que não é possível fazer tudo ao mesmo tempo e definir prioridades.

Que a direita e a extrema direita tenham votado contra está de acordo com a sua matriz ideológica que deixou marcas estruturais e danos profundos no país.

Que ao fim de seis anos de um percurso bem-sucedido, onde nem tudo foi alcançado, mas em que a vida dos portugueses e o país mudaram para melhor e em que, mesmo no momento mais difícil como o da crise pandémica, o país respondeu a todos quantos deles precisaram, esta esquerda decida pôr-se de lado, afastar-se das soluções e empurrar o país para uma crise política, é algo que não deixa de ser surpreendente, embora se antecipasse há já algumas semanas. 

Uma crise que chega num momento de disputas internas dentro do PSD e do CDS.

Portugal e os Portugueses não precisavam disto.