Opinião

a tragédia do futebol

nunca gostei muito de futebol. sou benfiquista por amor a meu pai e gosto da cor por acaso de preferência. pouco mais do que isso. com excepção da selecção nacional, a minha emoção serve de muito pouco para esta coisa tão grandiosa e que gera tanto e tão bom dinheiro para o nosso país, segundo dizem.

prefiro ler um livro ou ver um filme do que acompanhar uma partida de futebol. a minha presença num estádio de futebol será sempre semelhante à de numa tourada de corda: vou pelo quinto e não pelo touro, que é como quem diz, vejo futebol com os amigos mais pelo convívio do que pela bola em si.

faço parte de uma minoria, uma vez que o futebol, neste retângulo plantado à beira-mar, é mais poderoso que a fátima e o fado juntos. é o desporto-rei, dizem uns; é uma fonte de riqueza e turismo para o país, dirão outros; é um bom palco para se aprender regras de convivência em grupo e a trabalhar em equipa, arriscam outros.

não sei, não sou perito. sinto sempre que o futebol beneficia mais quem o faz do que quem o usufrui. não obstante, o futebol é rei supremo deste país que ainda não faz meio século de democracia. e como tal, pode e pode bem. lobbyista, o futebol mobiliza demasiados milhões e é, em grande medida, um problema social.

é um problema quando promove o tribalismo fanático das claques. estruturas mais ou menos legais, e mais ou menos apoiadas pelos clubes, são tribos que se confundem com hooligans, e servem para muito mais do que apenas torcer pela sua equipa: lavar dinheiro, promover o ódio e incentivar a violência, o incumprimento das regras, pressionar dirigentes, catapultar certos protagonistas com ligações à extrema-direita para o campo político, e mais.

é um problema nos exemplos sociais que produz, e não abona nem a favor dos intervenientes nem dos seus apoiantes. a começar pelo treinador do benfica, um bronco que mal sabe falar português – quanto mais outras línguas; passando pelo presidente vieira; pelo anterior presidente do sporting, um sociopata com um gosto refinado para a autocracia; pelo treinador do porto, um arruaceiro mal-educado que já foi jogador; e terminando no sempiterno rei da nação portista, o pinto da costa, que é um senhor, carago. tudo bons rapazes.

repete-se nos programas televisivos de desporto, com comentadores que não sabem debater, com ameaças de porrada em directo na televisão, reiteradas faltas de respeito pelos outros, promovendo um unilateralismo clubístico doentio. e repete-se todas as semanas, em todos os canais generalistas, fazendo bem jus à publicidade de um deles quando dize que o programa é para quem acha que noventa minutos não é suficiente. é mais que suficiente.

o que aconteceu com os festejos do sporting era previsível. ao conquistarem o campeonato 19 anos depois da última vez, só um mentecapto para não prever os ajuntamentos que se seguiram. no continente e nos açores. não há argumentação sobre a ignorância do número de sportinguistas que valha tamanha incompetência, cá; nem argumentação sobre emails e orientações não lidos, lá.

mas não foi inocente. tratava-se de um clube de futebol. um dos que compõem a santíssima trindade das nações futebolísticas portuguesas. esperar cumprimento de regras sociais e obediência às normas de combate à pandemia seria estúpido. e como acredito que nem as autoridades nacionais nem as regionais são estúpidas, não há outra conclusão a que se possa chegar senão a de que não se tratou de desconhecimento. tratou-se de medo.

os recentes desacatos na cidade do porto, aquando da final da liga de campeões, apenas reforçam esta ideia. malgrado os avisos e exemplos já conhecidos, como os do sporting, o evento decorreu com público dentro e fora do estádio, com centenas de adeptos a semear o caos na cidade, alheios às forças de segurança e à segurança dos locais. eram estrangeiros, que se lhes há de fazer? pois bem, nada. o dinheiro que trazem para o turismo justifica os atropelos. 

valeu-nos não ter havido anúncio com pompa e circunstância como no ano passado, quando o nosso primeiro-ministro destravou a língua ao dedicar o evento ao pessoal da saúde. valeu-nos a assunção de que, enfim, as coisas de facto não correram bem. mas, atenção! as televisões também repetiram muitas imagens, aquilo não foi assim tão grave, como dizem. dois tiros, dois melros.

até rui moreira fez o papel de personagem de um filme cómico: num dia criticava os festejos do sporting e os ajuntamentos em lisboa, garantindo que, se fosse no porto nada daquilo aconteceria; poucos dias depois, metia água na fervura do discurso de ter sido incapaz de impedir ajuntamentos e festejos bem mais violentos na tal cidade invicta que era diferente da capital. enfim, quem cospe para o ar...

o facto é que, depois do porto, portugal saiu da lista verde do reino unido. abrimos as comportas às hordas de ingleses alimentados pelo álcool do futebol porque era bom para o turismo. agora, é o governo inglês que diz que portugal não é seguro porque houve demasiados ajuntamentos descontrolados de ingleses alimentados pelo álcool do futebol na final da liga de campeões, no porto.

é irónico, para não dizer trágico.


escreve de acordo com o pré-acordo