Opinião

“Resfriadinho” e outras “bobagens” em tempos de pandemia

I Romário disse um dia, em resposta a uns comentários pouco abonatórios a seu respeito proferidos pelo “Rei” Pelé, a seguinte frase que ficou famosa no mundo do futebol: “Pelé calado é um poeta!” Lembrei-me desta célebre tirada quando assistia à declaração de Bolsonaro acerca da pandemia provocada pela disseminação global do covid-19. Disse o Presidente do Brasil – personagem que mereceu o voto de cerca de 58 milhões de eleitores brasileiros (!!) – que “caso fosse contaminado pelo vírus, não precisaria me preocupar, nada sentiria ou seria, quanto muito, acometido por uma 'gripezinha' ou 'resfriadinho' (...)" e, continuando na sua senda de inacreditável desvalorização da atual pandemia, pediu às autoridades estaduais e municipais que reabram escolas e comércio, e ponham fim ao "confinamento em massa". Que Deus ajude o Brasil! II Deste lado do Atlântico também temos assistido a algumas “bobagens” (disparates)… Uma delas foi consagrada no Decreto que implementa o estado de emergência. Concretamente ao se dispor que “Em caso algum pode ser posto em causa o princípio do Estado unitário ou a continuidade territorial do Estado.” Esta norma, que parece ter sido redigida a pedido do Primeiro-Ministro que por teimosia e interpretação minimalista dos poderes autonómicos decidiu “ordenar” à TAP que continuasse a viajar para os Açores, é um aditamento à Constituição da República Portuguesa que estipula (n.º 6 do artigo 19.º) que “A declaração do estado de sítio ou do estado de emergência em nenhum caso pode afetar os direitos à vida, à integridade pessoal, à identidade pessoal, à capacidade civil e à cidadania, a não retroatividade da lei criminal, o direito de defesa dos arguidos e a liberdade de consciência e de religião.” Então e o princípio da continuidade territorial onde está? E não dever-se-ia aplicar para ter impedido o “cerco sanitário” a Ovar e a outras localidades? O problema desta “bobagem” é que teve (tem) consequências para a vida do Povo Açoriano… III Outra “bobagem” foi a convocação do Representante da República para uma reunião, presencial (!!), no Palácio de Belém. O titular do cargo, o qual se assemelha àquelas carreiras e categorias da função pública que aparecem nos quadros de pessoal com um asterisco seguido da menção “a extinguir quando vagar”, foi até Lisboa à boleia do Falcon da Força Aérea que veio propositadamente aos Açores buscar Sua Excelência. Esta “bobagem”, cujos custos serão assumidos por todos nós, não podia ter sido feita com recurso a um qualquer tipo de videochamada? Esta demonstração de poder efetuada pelo Presidente da República não ficaria mal… ao Bolsonaro. IV Por fim, assistimos todos a uma “bobagem” de âmbito parlamentar regional. O CDS-PP – pela voz de Artur Lima, apesar do seu partido (e do próprio) integrar as 5 comissões da Assembleia que se encontram em pleno funcionamento – tornou pública a vontade de realizar um Plenário (na Horta, Faial), argumentando que os Deputados deviam integrar as situações de exceção referidas pela Autoridade Regional de Saúde e que possibilitam a realização de viagens inter-ilhas. A pretensão de realização de um Plenário mereceu o apoio do PSD, pela voz de Luís Maurício, e do PPM. Esta “bobagem” bem que podia merecer resposta num bailinho à moda da Terceira… mas apenas quando a pandemia já tiver passado.