Opinião

Um inimigo do Povo

Em tempos assisti no Teatro Micaelense à peça teatral baseada na obra de Henrik Ibsen intitulada Um inimigo do Povo. As frases chaves da folha de sala eram “ Para um caso de tanta importância...O bem-estar de toda a cidade... Não é altura para ficar parado”. Um drama passado numa pequena cidade do litoral meridional da Noruega no confronto entre a denúncia e o populismo eleitoral de uma situação de saúde pública. Uma obra de 1882 e perante interpretações diversas de uma leitura e representação que nos remete à estupefação, face ao enredo financeiro, político e familiar, num meio pequeno. Trazer esta experiência cultural para a semana que antecede um ato eleitoral, é porque ela bem pode espelhar uma forma política em qualquer cidade dos Açores. A pessoalização num candidato, não pode descurar o compromisso de concretização do seu programa eleitoral. A pessoalização num candidato, não pode descurar o seu compromisso com os quatro anos do mandato. Temos tempo de democracia mais que suficiente para não nos deixarmos enredar. Há que questionar pelos programas eleitorais. Há que questionar pelas concretizações dos compromissos do mandato anterior. Há que questionar se os eleitos manterão os quatro anos de mandato. Há que questionar porque só agora se iluminam as soluções. Se o esclarecimento não partir dos candidatos, cabe à comunicação social, nomeadamente a pública, de o exigir. A televisão e rádio públicas têm realizado debates entre candidatos. Exige-se mais dos candidatos e do escrutínio jornalístico. Em política, por vezes, confunde-se frontalidade com imodéstia, determinação com teimosia, humildade com cooperação e dialética com estratégia. É esta confusão que ao longo dos tempos tem afastado políticos com valor, dando lugar aos que procuram manter-se na sombra. Não é admissível, e aqui reside boa parte do défice de participação, que tenhamos candidatos que se candidatam só porque o partido tem que ter uma representação, sem programas eleitorais, ou candidatos que viajam da sua ilha de residência para a ilha de nascimento – político para qualquer geografia - ou aqueles que ora o fazem como candidatos regionais ou autárquicos em ilhas diferentes – político para qualquer candidatura. Estes atos não enobrecem a política e desvalorizam o serviço político e público – que é dignificante, quando o dignificam. Estes são, também, os inimigos do povo e da democracia. E estes têm que ser expurgados do sistema político. Votar, é participar, é representar e deliberar. Demitir-se deste dever é juntar-se aos inimigos do povo, quer por populismo doméstico ou por omissão deliberada de exercer um dever. A participação do cidadão, hoje, é um dos elementos mais importantes da democracia conquistada, porque desta forma apresentam-se como protagonistas no processo de tomada de decisão. A mudança no paradigma de participação é o de que a importância do cidadão é reconhecida não só no fim do processo político (geralmente no ato do voto) mas também na avaliação aos meios, às formas e aos tempos estratégicos de cada candidato antes e durante o ato eleitoral. Se nos demitimos, quer como eleitores ou candidatos, da participação transparente no processo político, seremos contribuintes líquidos para integrar a lista de “Um Inimigo do Povo”.