Opinião

Cooperação alargada ao Atlântico Sul

Esta quinta-feira foi assinada em Lisboa, pela União Europeia, Brasil e África do sul, na presença de mais de 25 países, a Declaração de Belém. Um compromisso que dá enquadramento à cooperação científica entre a Europa, a África do Sul e a América do Sul, juntando-se aos esforços já desenvolvidos no Atlântico Norte, com EUA e Canadá sobre o escopo da Declaração de Galway. Na cerimónia de assinatura, o Comissário Moedas teve oportunidade de mencionar que estão a ser financiados diversos projetos H2020 integrados na Declaração de Galway e prevê que, no próximo ano, sejam atribuídos 60 milhões de euros dedicados ao estudo do Oceano Atlântico. Aquando da conferência sobre o Air - Centro de Investigação dos Açores, que decorreu em maio na Praia da Vitória, tive oportunidade de afirmar que os Açores são a localização exata para construir novas pontes de cooperação internacional, explorando uma plataforma Norte-Sul e Sul-Norte para investigação na investigação dos Oceanos, Clima e Atmosfera. Temos, por conseguinte, muito a ganhar com este movimento de cooperação que se tem desenvolvido nos últimos tempos. O manifesto que dá corpo ao acordo refere que o Atlântico Sul é o ponto de viragem de um mecanismo — a circulação oceânica global — que liga os oceanos e afeta os climas regionais. Teme-se que a circulação oceânica global, graças à qual parte do noroeste da Europa conhece invernos mais suaves e mais húmidos do que outros países da mesma latitude, desapareça ou seja modificada pelas alterações climáticas. Daí poderiam advir, do Antártico ao Ártico, consequências sem precedentes para o clima mundial, pelo que é extremamente importante que os cientistas compreendam melhor todo o sistema do oceano Atlântico. Um dos objetivos do acordo é o reforço das observações no oceano Atlântico, através da congregação de recursos e conhecimentos, para se garantir o apoio necessário à proteção dos ecossistemas que se encontram sob pressão. Isto também porque, para além das óbvias vantagens da partilha de conhecimento entre cientistas de várias instituições, a investigação científica em meio marinho assume custos muito elevados. Desde a utilização de navios dedicados (como o NI “Arquipélago” nos Açores), ou submarinos (como o “Lula” nos Açores), ou mergulhadores e até às observações remotas utilizando satélites, tudo é oneroso no que diz respeito à compreensão dos mares. A forma de se esbaterem esses custos, são reduzir a redundância e trabalhar em cooperação. Foi por essa razão que a Declaração de Galway, que une as administrações científicas da União Europeia com os Estados Unidos da América e Canadá para o estudo coordenado do Oceano Atlântico se revestiu de tão grande importância e sucesso. Agora, com a adesão de novas potências mundiais, por via da Declaração de Belém, espera-se que sejam criadas condições para que se estudem com maior intensidade os efeitos das alterações climáticas, mas também que se desvendem novos segredos das profundezas azuis. Soluções biotecnológicas, incluindo novos medicamentos e tratamentos, potencial uso mineralógico e novas fontes energéticas estão na mira desta cooperação. Para garantirmos o sucesso do “desenvolvimento sustentável azul” há que criar o conhecimento que lhe está subjacente e esta Declaração de Belém é certamente um passo essencial para que isso aconteça. Nos Açores, o Departamento de Oceanografia e Pescas tem participado em projetos que estudam o Atlântico neste contexto de cooperação multicontinental. Ao longo de dezenas de anos, o DOP estabeleceu ligações à Europa, à América (de Norte a Sul) e a África. Se esta unidade de investigação já tinha estabelecido parcerias antes destas declarações, agora com a Declaração de Galway em velocidade de cruzeiro e a Declaração de Belém a dar os primeiros passos, penso que há razões para encararmos o futuro da pesquisa oceanográfica no Atlântico com otimismo e, nos Açores, estamos numa posição privilegiada para dela beneficiar.