Opinião

O Espírito Açoriano (1)

Os Açores e a Madeira vão andar nos próximos tempos nas bocas do mundo por causa da discussão em torno da Lei das Finanças Regionais. Um tema que sempre dividiu os portugueses, porque uma boa parte da opinião pública continental nunca aceitou de bom grado um tratamento diferente para as ilhas. A maioria acha que os ilhéus vivem acima das suas possibilidades e que não devem ter benefícios face à restante população do Continente. A razão dessa divergência terá vários motivos alheios à nossa vontade, mas também não soubemos mostrar, com clareza e persistência, a diferença da nossa realidade e os custos que implica uma vivência insular. Bem sei que o caso da Madeira muito contribuiu para esse estado de descrença nos regimes autonómicos, mas já em épocas bem recuadas o pendor centralista se impôs. Precisamente para o combater e para defender os interesses insulares se formou e se consolidou o que tem sido designado por lóbi açoriano. Tudo terá começado de forma mais organizada nos finais do século XIX, quando a comunidade insular na capital começou a ganhar alguma notoriedade. A fundação do jornal Portugal, Madeira e Açores, por iniciativa de um terceirense, foi um grande passo para essa tomada de consciência de defesa dos interesses das ilhas e, de certo modo, explicar aos continentais o que eram as chamadas “ilhas adjacentes”. Este periódico, com uma longa vida entre 1884 e 1950, foi um polo aglutinador de vontades que souberam ultrapassar divergências partidárias, envolvidas num espírito açoriano. Dentro desse propósito se lançou uma primeira campanha para fundar um Grémio Insular. O projeto fracassou, mas uns anos depois fundaram-se as casas regionais dos Açores (1927) e da Madeira (1931), em Lisboa, enquadradas no movimento mais geral de fundação das casas regionais das províncias do Continente. Esta etapa foi fundamental para a consolidação do espírito açoriano. Foi com o Grémio/Casa dos Açores que o lóbi se constituiu de forma eficaz. O ataque de Salazar ao que restava da pouca autonomia administrativa levou a que os açorianos respondessem de forma organizada. A própria direção da Casa dos Açores se estruturou em “departamentos” para tratar dos assuntos nos diferentes ministérios. Consoante a formação de cada membro, uns tratavam da economia, outros da justiça, da educação, etc. Deste modo, os problemas dos Açores, quer dos organismos oficiais quer particulares, eram canalizados para a Casa dos Açores que, através de açorianos bem colocados no aparelho do Estado, procuravam soluções mais rápidas. Salazar não gostou e reagiu mal. Quando em 1938, se realizou em Lisboa o Congresso Açoriano, com a participação de algumas dezenas de açorianos das várias ilhas, o açorianismo impôs-se na capital. Salazar considerou uma afronta e não apoiou a iniciativa. O poder central foi, de certo modo, enfrentado e os açorianos afirmaram a sua vontade de defender os interesses das ilhas. Esta dinâmica de lóbi era fortemente apoiada por jornalistas oriundos dos Açores que trabalhavam na imprensa da capital e no Porto. Em vários jornais lá estavam eles defendendo as ilhas, sempre que eram atacadas, e havia até suplementos esporádicos dedicados aos Açores ou as regulares páginas insulares. A nível da região também se desenvolveram algumas iniciativas com vista a promover os Açores em termos turísticos, mas também com o fito de mostrar o nosso modo de vida, as nossas diferenças. Recorde-se a iniciativa de José Bruno Carreiro, em 1924, com a chamada “visita dos continentais”, que teve uma grande projeção em todo o território. Outras iniciativas menos espetaculares também produziam os seus efeitos positivos: o incentivo às viagens de estudantes finalistas das universidades para visitarem as ilhas ou o convite a escritores e jornalistas que eram uma boa fonte de propaganda. Este espírito de lóbi funcionou durante muitos anos, embora Salazar tenha procurado extirpá-lo, dando mais algum protagonismo aos governadores civis. Mas nem por isso, o lóbi deixava de ir mexendo os cordelinhos. Registe-se que a grande maioria destes protagonistas, que se movimentava em prol dos Açores, não era opositora ao regime de Salazar. Muitos deles faziam parte quadros superiores do aparelho do Estado, mas acima de tudo colocavam as ilhas, mesmo que isso não agradasse ao líder.