Opinião

O perigo da indiferença

A indiferença transforma-nos em quase nada. Serve, muitas vezes, como um bloqueador de emoções, um neutralizador de empatia. Não é um fenómeno novo. Já Hannah Arendt, quando escreveu sobre “a banalidade do mal”, referiu o perigo da indiferença, uma ausência moral que pesa porque, pura e simplesmente, é um vazio sem eco que, inevitavelmente, conduz à desumanidade.

Na indiferença, não há revolta, não há indignação, não há confronto ou sequer compreensão. Há apenas ausência e solidão. Importa, por isso, refletir sobre a forma como, subtilmente, ela se incorpora no espaço público.

Sociedades mais exigentes e vibrantes, onde os pesos e contrapesos funcionam, onde o escrutínio é um verdadeiro hábito e não a exceção, tendem a ser menos letárgicas, menos permissivas ou, se preferirmos, pelo menos mais reativas quando alertadas para um problema com dimensão social.

Ora, nos Açores instalou-se um hábito preocupante: acontecimentos que deveriam mobilizar qualquer Governo (e também o conjunto da sociedade) são recebidos com uma indiferença inquietante. E esta in- diferença tem riscos e perigos que importa debelar, para salvaguarda da qualidade da nossa democracia e coesão social.

 

Atos de fé

Ao contrário das questões do espírito, a política não se faz nem se baseia em atos de fé. No entanto, quem ouve o chefe do Governo fica convencido de que, para a maioria dos problemas, a resposta passa por fechar os olhos e esperar que passe.

A Ryanair anuncia que irá abandonar todas as rotas para a Região já em março de 2026 e o Governo Regional encolhe, resignadamente, os ombros perante uma ameaça direta à mobilidade, ao turismo e à coesão social.

O Presidente da SATA demite-se por “razões profissionais” a meio de um processo de privatização, já de si conturbado, e ficamos a saber que, para o Presidente do Governo, “no pasa nada”. Não só está tudo controlado, como até estava previsto.

Um membro do Governo mente ao Parlamento sobre a decisão da Comissão Europeia relativa à prorrogação do processo de privatização da SATA e nada acontece.

O Governo falha pagamentos a tudo o que mexe e imperturbável se mantém o titular das finanças co-responsável pelo pântano.

A receita deste Governo é igual para tudo e todos: fazer ouvidos de mercador, anunciar mais apoios e aumentos que sabe não poder cumprir, e contar com o reduzido escrutínio e o silêncio coreografado de muitos que antes, nos jornais e nas redes sociais, se escandalizavam por muitíssimo menos.

 

Perguntas que se impõem

1. O Governo pediu à Comissão Europeia a prorrogação por mais um ano do plano de reestruturação da SATA. Em que condições? Que obrigações foram impostas? Que riscos permanecem?

2. As IPSS enfrentam enormes dificuldades. Há jardins de infância com pagamentos em atraso desde junho, creches à espera de verbas, lares de crianças e de idosos que fazem das tripas coração para conseguir cumprir os seus encargos todos os meses. Quantos trabalhadores por estes Açores fora vão ficar sem o subsídio de Natal porque o Governo simplesmente não paga a tempo e horas?

3. O que está a ser feito e preparado para atacar o problema assustador das drogas sintéticas na Região?

Perante esta realidade, o Governo responde com a ligeireza de quem lida com notas de rodapé, não com pessoas reais nem com instituições que sustentam a rede social da Região.

Uma última nota: este novo normal também prospera quando o escrutínio desaparece. A democracia precisa de perguntas difíceis, não de complacência. Mais do que noticiar friamente números, é essencial não deixar que se perpetue a dita “suavidade da indiferença”.

Até porque, como escreveu Alexandre Herculano, “a indiferença silenciosa, grave, quase benévola, é a manifestação legítima da morte de toda a crença”.