Opinião

Contra o novo normal

Um dos dramas do nosso tempo é o de, aos poucos, devagarinho, à medida que se instala a ideia de que temos uma sociedade de vencedores e de vencidos, se desvanecer a teia que, sobretudo, nos maus momentos nos entrelaça a todos: a compaixão.
Este sentimento que, na prática, nos assegura que o outro - que um dia fomos ou seremos nós - pode contar com um gesto solidário ou uma palavra amiga ou de compreensão quando, por alguma razão, estiver na maré baixa da vida. Podemos não nos aperceber, mas esta é, porventura, a marca de água da extrema polarização que o populismo e o discurso intolerante cultiva e instila.
Nada disto é novo e começa invariavelmente sempre da mesma forma. Em tempos de dificuldades, apontar o dedo ao outro, ajuda, ainda que erradamente, a navegar num mundo em mudança e no qual não se alcança os resultados e os sonhos de criança.
Para lidar com a adversidade, com a frustração e o desencanto, nada como culpar o outro, sobretudo se for diferente, pelas nossas falhas, omissões e erros. Pode ser o emigrante, o cigano, o "maricas", os velhos ou até, pura e simplesmente, o vizinho de outra cor ou religião.
Todos servem desde que, por entre os pingos da chuva, se possa passar e apontar o dedo a quem, do lado de lá, apenas é ou nos parece diferente.
Nesta visão de um darwinismo que tem tanto de social como de selvagem, deixamos de ver o outro como uma pessoa, como um ser humano repleto de imperfeições, mas também cheio de potencialidades. E, rapidamente, a desconfiança dá lugar ao medo e o medo dá lugar à raiva e, aos poucos, quase sem darmos por isso, é o tecido social - o que nos devia unir, o que nos faz partilhar o genoma da humanidade - que se vai perdendo e diluindo.
Não, não é apenas política. É o modo como nos vemos uns aos outros, como vemos a comunidade de valores e sociedade de que fazemos parte, que o discurso do ódio, do extremismo, da berraria insana coloca em causa todos os dias. E isto sim, mais do que vitórias ou derrotas eleitorais, é verdadeiramente um dos dramas do nosso tempo!


Autofagia e deslumbramento

Luís Montenegro não esconde de ninguém o seu desejo, aliás confesso, de tornar o PS "uma força política irrelevante". Sucede, porém, que o líder do PSD esquece alguns factos históricos que o deviam preocupar.
Primeiro, todas as grandes conquistas sociais e políticas no nosso País, incluindo o regime democrático, têm a assinatura do Partido Socialista. A consolidação da democracia, a adesão à então CEE, a criação do SNS, a adesão à moeda única, o robustecimento e a defesa das mais diversas liberdades cívicas.
É evidente que o PS não fez tudo bem feito e necessita corrigir uma série de erros estratégicos para recuperar a confiança dos eleitores, sobretudo das gerações mais novas. Mas, Montenegro não se devia esquecer que o PSD foi o embrião que deu vida ao Chega. Sem contar com Marcelo em Belém, o PSD é governo na República, nas duas regiões autónomas, e a sua família política lidera a Comissão Europeia e tem mais assentos no Conselho Europeu.
Acabaram-se as desculpas: a partir de agora, o PSD só se poderá queixar de si próprio.