Opinião

Quantos pastéis ainda temos de engolir em Belém? (Parte IV)

Uma tentativa de ligar as presidenciais à votação da lei da nacionalidade

De repente, no meio da balbúrdia diária, o bom senso eclipsou-se. Estamos dominados pelos berros da extrema-direita, agora (re)designada por alguns como direita radical. No meio de tudo isto, impõe-se uma questão: onde anda o bom senso, afinal?

O que temos assistido, por parte dos partidos do espectro da direita, não é apenas uma divergência ideológica — é uma abdicação de princípios. Primeiro foi a direita sonsa, capitaneada pelo PSD de Montenegro, que se ajoelhou aos pés do grupo do “berreiro”. Depois, quando menos se esperava, vieram os chamados “liberais à portuguesa”, que se colaram, sem pestanejar, à direita revanchista — e não foi por acaso. As votações sobre imigração e nacionalidade abriram o flanco: formalizaram, de facto, o bloco político que muitos fingiam não ver. O PSD já tinha abdicado do “não é não” relativamente ao partido do “C”. Agora, os liberais entraram na dança, selando a sua presença com palmas — e sem vergonha.

Contudo, a estupefação começou muito antes das propostas absurdas das referidas leis. Começou, sim, com a ausência de condenação ao ataque neonazi contra o ator Adérito Lopes. A extrema-direita ataca, e a direita sonsa, incluindo a liberal, assobia para o lado. Lamentável.

Fica, porém, a interrogação: como é possível figuras como Carlos Pinto Guimarães votarem ao lado de Ventura e Cid Matias como se fosse o dia mais banal do Parlamento?

Em resumo: quando até os liberais ditos “urbanos e abertos ao mundo” se rendem ao populismo xenófobo, ficamos sem margem para ingenuidade. Este bloco não se forma por acaso — está a preparar terreno para Belém, cozinhado com pastéis de ressentimento e recheados de nacionalismo bacoco.

 

Da nacionalidade pacóvia ao patriotismo bacoco

A nova proposta de lei da nacionalidade conseguiu a proeza de inventar uma nova categoria: o “português português”. Mas com ziguezagues, entenda-se. Agora, só quem herdou essa “particularidade” por mero acaso da história familiar é que está blindado. Os outros ficam sujeitos a pistolas metafóricas apontadas à cabeça, numa espécie de estado paternalista: se te portas mal, tiro-te o passaporte.

Com as palmas da direita em bloco, a nova lei impõe: mais anos de residência obrigatória (como se isto alterasse realmente o direito à nacionalidade); a possibilidade de retirar a nacionalidade a quem cometer crimes graves (como se retirar a nacionalidade apagasse a responsabilidade pelo crime cometido); e reforça a ideia de que há cidadãos "mais válidos" do que outros. Tudo isto como se estas variáveis determinassem o valor das pessoas. São duplos critérios mascarados de justiça.

O mais preocupante? Ver os liberais a baterem palmas. Como pinguins bem treinados num espetáculo de circo parlamentar. Rendidos ao medo e à lógica da exclusão. E não há pastel que disfarce o travo amargo que isso deixa na democracia.

 

Pastéis à parte, há democracia por defender

(A tal tentativa de ligar a lei da nacionalidade às presidenciais e a Belém)

No meio da azáfama diária, surgiu mais um cavaleiro da direita liberal que pretende chegar a Belém. Figueiredo, de seu nome, aparece numa tentativa de recuperar algum élan dessa ala, apagando as asneiras recentes de Rocha e Leitão — entre as quais a colagem nos temas da imigração e da nacionalidade. Apesar de poder desferir golpes fatais no outro candidato vindo do mainstream da direita sonsa — o Mendes —, desconfio que Figueiredo acabará, nos finais, por dar força ao bloco que junta todas as direitas: revanchistas, sonsas, liberais e do “berreiro”.

Infelizmente, o país começa a habituar-se a um palco político onde o populismo, a xenofobia e a conveniência ideológica caminham lado a lado. A direita sonsa, a extrema-direita dos berros e os liberais de ocasião formam, enfim, um trio que já nem tenta disfarçar o rumo: negar direitos, apagar vozes e desenhar fronteiras dentro da própria cidadania. E creio, infelizmente, que Figueiredo vai confirmar essa teoria (a bem da democracia, espero estar… errado).

No meio disto tudo, Belém torna-se a próxima trincheira. Mas é também o lugar onde a decência e a moderação podem — e devem — ser defendidas.

Porque há dias em que é preciso parar, pensar… e recusar engolir mais pastéis de nata estragados, por muito bem decorados que venham.