Opinião

Tempo de crises

I
Contrariamente ao que, por vezes, é percecionado, as crises não têm sido marcadas pela singularidade. Ou seja, a noção de crise como momento disruptivo que ocorre após um período de relativa estabilidade merece, à luz do final do século XX e das primeiras décadas do XXI, ser repensada. De facto, atendendo à sucessão de acontecimentos e à rapidez com que ocorrem, estas últimas décadas têm sido marcadas por diferentes momentos disruptivos pautados, se tanto, por breves períodos de relativa estabilidade.

II
Em menos de 20 anos, a União Europeia enfrentou mais do que uma mão cheia de crises cujos impactos, pelo menos parcialmente, ainda se fazem sentir e cujas respostas moldaram, também, a sua estrutura e testaram a sua capacidade de resistência.

III
Desde a brutal recessão provocada pela crise financeira do subprime, em 2008, às consequências da crise das dívidas soberanas (2010) que, por seu turno, ameaçou a própria existência da moeda única, passando pela pandemia da Covid 19, pela rutura das cadeias de abastecimento, pela crise energética que afetou milhões de europeus e pela crise inflacionista que penalizou rendimentos e aprofundou o fosso da desigualdade, a UE tem sido bastas vezes confrontada com ameaças ditas existenciais.  Tudo isto sem esquecer a invasão da Ucrânia pela Rússia e, mais recentemente, a reconfiguração em curso das relações transatlânticas provocada por nova ascensão de Trump à Casa Branca.

IV
Neste contexto de turbulência recorrente, há ainda a considerar o declínio das democracias face ao ressurgimento galopante da extrema-direita e os realinhamentos provocados por novas e velhas tensões geopolíticas.  A par do já descrito, o recurso às crises migratórias como arma política, o aumento exponencial e despudorado da desinformação a contaminar o debate e os efeitos na opinião pública de um clima permanente de incerteza e insegurança face ao presente e ao futuro, confluem para o estilhaçar das fundações do contrato social e para a criação de uma sociedade distópica e altamente polarizada. 

V
Sobre tudo isto que, por si só, são mais do que sinais destes tempos perigosos em que vivemos, uma crise climática em ebulição, com impacto severo nos recursos naturais disponíveis e uma crise humanitária que desafia toda a lógica e sentido de humanidade, em Gaza, na Ucrânia e em várias outras dezenas de conflitos armados que, embora com igual drama e ferocidade, não merecem a mesma atenção mediática. 

VI
É neste contexto global que hoje a UE tem que atuar, em que são mais as dúvidas do que as certezas sobre a solidez das alianças estratégicas e sobre a real partilha dos valores universais, de proteção e defesa dos direitos humanos, que enformam a mundivisão das sociedades democráticas.

VII
Mesmo perante algumas ameaças existenciais, a UE tem resistido e continuará a resistir. Mas, hoje, o desafio não é apenas o de continuar a existir. Trata-se de existir e de assegurar a sua relevância política, estratégica e económica num mundo em mudança acelerada.

VIII
Ora, em tempos de crises recorrentes, com recursos finitos para fazer face a um número cada vez maior e mais exigente de solicitações, a UE terá que redobrar esforços para se atualizar e, assim, poder responder ao desafio da competitividade, do crescimento e da sustentabilidade. Todos estes implicam transições e, em alguns casos, mudanças profundas. Convém que estejamos preparados para elas, não só com responsabilidade, mas também com sentido aguçado perante o mundo de que fazemos parte, uma vez que o futuro irá, muito provavelmente, colocar-nos perante escolhas difíceis.