Opinião

A nossa realidade

Nos últimos meses, uma simples ida ao supermercado transformou-se de forma drástica. Não só na hora do pagamento, em que o reflexo natural é o de olhar para o volume das compras e o montante no visor do caixa, mas em todo o percurso feito durante as compras.

Encontrar clientes a olhar os preços e a ginasticar o cérebro – muitas vezes com os olhos semicerrados, como se ajudasse a processar – é um exercício cada vez mais comum. Encontrar clientes a contar, de forma rigorosa, o número de artigos a levar, ou, ainda, a devolver artigos às prateleiras, tornou-se um cenário habitual.  Encontrar rostos de indignação perante os preços de bens essenciais, entre eles bens alimentares, deixou de ser apenas uma característica dos que vivem com maiores dificuldades, alargando-se à grande maioria dos açorianos.

E assim, uma simples ida ao supermercado, deixou de ser uma tarefa corriqueira para passar a ser um “banho de realidade”. A nossa realidade.

O grito de alerta do Banco Alimentar e da Cáritas ecoa numa chamada de atenção para esta realidade que não podemos ignorar. Os pedidos de ajuda têm aumentado, confirmando o “ponto de rutura” em que muitas famílias já se encontram. Às famílias que já eram apoiadas vieram juntar-se outras, muitas vezes socorrendo-se destas organizações já em situações limite, quando já não existe ginástica capaz de responder a tamanho desafio. Estamos a falar em famílias, que em muitos casos trabalham e que até há bem pouco tempo conseguiam gerir a sua vida sem ter de recorrer a estes apoios, mas o aumento do custo de vida veio alterar, drasticamente, a sua realidade. E o que ontem se alcançava, hoje é inacessível.

Não bastassem as evidências claras, vem a DECO esta semana, na publicação do Barómetro DECO/PROTESTE, confirmar que 77% das famílias açorianas enfrentam dificuldades financeiras, reportando-se a dados de 2022. O que indicia que estes valores serão agravados em 2023, considerando os aumentos que se vão adensando. Importa, ainda, destacar que em sérias dificuldades financeiras estão 8,5% dos açorianos, onde as privações já se fazem sentir de uma forma persistente e com efeitos colaterais que não podem ser ignorados.

Mais do que falarmos de números interessa lembrar que falamos de pessoas, de famílias reais que vivem dias de angústia, medo e ansiedade, resultantes do aumento do custo de vida ao qual não conseguem fugir. A preocupação para que não faltem os bens essenciais, a começar pelos bens alimentares, persegue muitas famílias; o medo de perder o teto sobre as suas cabeças, devido ao aumento das rendas e dos empréstimos, aterroriza muitas famílias.

Ao governo regional cabe a responsabilidade de proteger os mais vulneráveis, e hoje os vulneráveis são mais do que já foram. Fruto de um novo contexto, é certo, mas novos desafios exigem novas respostas. Maiores dificuldades exigem maior capacidade de resposta e coragem.

Quando temos um governo propaganda que anuncia muito e faz pouco, não nos podemos calar. Quando temos um governo que apregoa o Plano e Orçamento com o maior pendor social de sempre e, logo a seguir, cativa 25% das verbas para investimento, não podemos aceitar.

O tempo que vivemos não se coaduna com hesitações, falta de estratégia e, muito menos, com um vil assobiar para o lado. Os açorianos não só merecem melhor, como precisam de muito melhor!