Opinião

A verdade inconveniente

Há já algumas semanas, na verdade, desde que começou a Guerra na Ucrânia, que me sentia incapaz de escrever. Ia adiando de semana em semana. Escrever sobre a Guerra exige uma de duas condições: um conhecimento da história que não tenho ou uma capacidade de escrita, que nunca terei. Durante semanas senti-me intimidada pela folha branca. Todo e qualquer assunto me parecia pequeno, irrelevante, insignificante perante a violência que arromba as nossas portas e janelas e nos assalta o coração.
Precisei de fazer o luto. Precisei de despertar deste tormento que me paralisava, desta dormência que me fazia correr de canal em canal, de jornal em jornal. Precisei de tempo para voltar às nossas pequenas grandes coisas.
Então, o que mudou? A Guerra continua. A cada dia, imagens mais chocantes, relatos mais avassaladores. Terei ficado imune? Indiferente? Não, nada disso. Simplesmente não me posso calar perante as pequenas grandes coisas. Hoje, mais do que nunca, não podemos vacilar perante a intimidação, perante a ameaça, perante a tentativa de coação. Temos que nos indignar com as pequenas grandes coisas. Temos que denunciar. É, por isso, que vos escrevo hoje. Para que não restem dúvidas: não me calarei.
Ainda haverá quem se lembre do jogo "verdade ou consequência", pelo menos todos, como eu, nascidos no terceiro quartel do século passado. Feita a pergunta, o inquirido, optava por dizer a "verdade", ou sujeitava-se à "consequência". Quando somos crianças tudo parece simples. No mundo dos crescidos as coisas não são assim. Tudo se complica. É quem faz a pergunta e procura a verdade, que se sujeita às consequências. Que raio de "mundo" é este?
Em vez de se envergonharem os mentirosos, castigam-se os que não se calam, os que ainda se indignam, os que não consideram tudo normal, os que denunciam.
Quando olho para trás, muitas vezes me pergunto como mantive a minha saúde mental depois de ser alvo de sucessivas tentativas de intimidação e de ameaça, de ataques aos meus familiares, de cartas e postais anónimos, de ataques de caráter, do enxovalhamento, da criação de estórias bárbaras. Nestes casos e para estes comportamentos continua a não haver vacina, e, portanto, não sou imune e, sobretudo, não sou indiferente quando os alvos me são próximos.
Pois bem, podem persistir, mas não me silenciarão. Foi uma luta que abracei desde o primeiro dia, sem tréguas. E perguntam-se, como já me perguntaram tantas vezes, porque persistes? Porque desistir, é dar espaço aos desonestos, aos manhosos, e aos cobardes. Talvez seja um caso perdido, mas "até prova em contrário" assim continuarei.
Vou continuar a não achar normal ouvir um governante mentir descaradamente, mascarar a verdade, criar uma falsa verdade, quando a verdade verdadeira se mete pelos nossos olhos dentro. E vou continuar a perguntar-me: se essa falsa verdade não terá consequências para quem a criou? E vou continuar a indignar-me, quando tiver consequências para quem questionou...
Que "mundo" é este em que nós vivemos?