Opinião

Seu Zé das Medalhas

Fixação. Há realmente assim como que uma espécie de obstinação de toda a direita regional por determinados princípios defensores das elites. Direita regional, Governo Regional, se preferir quem me lê. Exemplo: que dizer desse conhecido e arrebatado amor pela cultura do mérito, a meritocracia? Chama-se a isto um tema polissémico, ou seja, (perigosamente) de duplo sentido. Daqueles tais que conduzem o povo a votar entusiasticamente num futuro ditador, firme e alegremente julgando eleger um salvador, transbordante de excecionais valores humanos. Dá realmente que pensar.
Não creio mesmo que alguém discorde em premiar quem tem mérito. Óbvio. A questão é que, apesar deste óbvio, outros há igualmente não ignoráveis, óbvia e igualmente evidentes. Diria até, muito mais obviamente importantes. Ocorre-me a cada vez mais antiga, porém cada vez mais atual, questão de Brest: "Que tempos são esses em que temos de defender o óbvio?".
Premiar quem tem mérito deve (obviamente) partir de um pressuposto de igualdade. Mas isso de se partir claramente à frente de todos os outros e depois da vitória (quantas vezes por um triz) ainda ser aclamado em ovação porque se foi o maior, no mínimo, terá mesmo muito que se lhe diga. E é aqui que bate o ponto ou, dito agora de outra forma, é aqui que a porca torce o rabo. Missão número um de um governo saudavelmente democrático (versão telegráfica): tudo fazer contra a pobreza, a desigualdade, a desproteção dos mais frágeis. Diferente, radicalmente diferente da missão número um de um governo doentiamente meritocrata (versão alargada): quem lá chegou ganha a medalha, indiferente o seu percurso ou quantos foram cilindrados pelo caminho.
A defesa cega da meritocracia é, na verdade, a defesa cega de uma sociedade que evolui através da selvática lei do mais forte, no lugar de perseguir a defesa da igualdade de oportunidades. Uma espécie de perigosíssima teoria evolutiva das sociedades humanas, pautando suas leis por uma terrível insensibilidade social. Que se aplauda quem merece, com certeza, porém que as forças governamentais não hesitem em dar tudo, mas tudo, e de todas as maneiras, no auxílio determinado a cada um dos cidadãos no almejar do seu sucesso, objetivo claramente muito mais imperativo. Quanto a mim, é ponto assente: a sociedade de que necessitamos e que devemos perseguir não se deve fundear em princípios de competição livre, desgovernada, focada apenas em dar vida ao primeiro que corta a meta dos interesses instalados. A sociedade de que necessitamos é a que sobreleva valores humanos e a que acarinha seus filhos por igual, preteridas as medalhas do Zé.