Opinião

Memória

Em tempos de polarização e trincheiras emotivas, não deixa de ser significativo os sentimentos e reações à morte de Otelo.
Otelo foi o comandante operacional do 25 de abril, teve papel relevante no PREC e ficou em segundo lugar nas primeiras presidenciais da nossa Democracia. Foi condenado por ligação às FP-25, mas nunca por crimes de sangue.
Com a sua morte, as opiniões de alguma direita acirraram-se, lembrando-se e focando-se na parte mais polémica da sua biografia e da "indignidade" da amnistia de que também beneficiou, apadrinhada pelo Presidente Soares, no início da década de noventa do século passado.
Ao contrário do que se disse, tal amnistia não foi feita a pensar exclusivamente nos condenados das FP-25, mas abrangeu todos os delitos provocados por motivações políticas desde 1976, incluindo as ações e assassinatos da extrema-direita do MDLP, a que Spínola, em determinada fase, esteve comprovadamente ligado. Essa amnistia inseriu-se assim numa longa tradição democrática de reconciliação, que cedo prevaleceu na revolução do 25 de abril, e que teve como corolário, desde logo, o tratamento dado aos ex-agentes e dirigentes da PIDE/DGS e ao regresso autorizado a Portugal a Américo Tomás pouco mais de quatro anos a seguir a Abril - numa tentativa conseguida de pacificação da sociedade portuguesa e duma rápida evolução para a consolidação democrática, de que também os militares de Abril foram protagonistas.
Pelo que lembrar seletivamente o percurso de Otelo, como alguns se afadigaram em fazer, é sinal incontroverso de incómodo e mal-estar com aquilo a que de imorredoiro está ligado o seu nome: o 25 de abril, a liberdade e a democracia. Porque há cada vez mais um indisfarçável incómodo de alguns com a instauração da democracia e uma desesperada tentativa de branqueamento dos seus ancestrais ideológicos...