Opinião

Carta ao Pai Natal

Meu querido Pai Natal,

Sei bem que já está um pouco em cima da data, mas na verdade não escrevo para pedir nada. O propósito desta carta é, tão somente, deixar um desabafo público sob a forma de desejo. O senhor de vermelho e barbas brancas, que os meus filhos acreditam ser o carteiro das prendas por altura do Natal, representa, inadvertidamente, um tipo de sociedade que incutimos aos nossos filhos que não contribui em nada para uma adequada formação da personalidade. Caixas e caixinhas; sacos e envelopes e resmas e resmas de papel colorido com laços para rasgar não são, longe disso, sinal de alegria e felicidade verdadeiras. O primado do lado material face ao lado imaterial, o qual tem já longuíssimas barbas, é um erro estrutural do mundo tido por desenvolvido. Este consumismo desenfreado, incutido às crianças desde o momento em que estão ainda nas barrigas das mães, vai no sentido oposto ao que devia ser a prática de uma sociedade adulta e moderna. A felicidade não se mede, ou melhor, não se devia medir, pelo número de prendas, as quais, muitas das vezes, são atiradas no momento da abertura para um qualquer canto da casa. A felicidade das crianças não está, não poderá estar, em receber prendas de elevado valor. Sei que o Pai Natal não tem culpa do papel que lhe deram, mas a verdade é que é o rosto deste capitalismo selvagem que se vive por estes dias. Não sei se existe algum provedor ou advogado do Pai Natal. Desconheço, de igual modo, quais os direitos e deveres previstos no seu contrato de trabalho. Mas o que sei é que está, desde há muito, a ser feito um uso abusivo de uma figura querida de pequenos e, também, de graúdos. Proponho, por isso, que o Pai Natal no próximo ano já não esteja neste papel. A idade já aconselha a muito descanso e as viagens de longa duração também não são recomendáveis. Tal como não se recomenda as baixas temperaturas inerentes às “estradas” cobertas de neve. E, muito menos, andar com sacos carregados de prendas. A hora é, pois, de parar! Chegou o tempo da reforma. Para o ano, o Natal será diferente. O meu querido Pai Natal vai, finalmente, gozar um merecido descanso. A agitação de sempre dará lugar a uma casa cheia de familiares e amigos, uma lareira e muita animação e boa disposição. A felicidade advirá de gestos e não de prendas; os sorrisos serão dados no meio das conversas com a família e não com olhos postos no novo telemóvel e as gargalhadas de contentamento resultarão de umas belas piadas e não de golos marcados já na nova consola. Mas, para que tudo isto se concretize, cada um de nós terá de fazer a sua parte. Ao merecido descanso do Pai Natal terá de corresponder uma mudança radical de paradigma. Da minha parte, prometo que vou fazer um esforço. Esforço esse que terá de ser acrescido pelo facto de ter filhos que (ainda) acreditam no Pai Natal. Não será fácil, dado que sempre vivemos esta época em correrias de loja para loja na busca daquela prenda que estava sempre em falta, mas terá inapelavelmente de ser assim. Está mais do que na altura de travarmos a fundo no consumismo sem sentido; no comprar por comprar ou de deixar de ligar a promoções muito apelativas, mas sem posterior utilidade para cada um de nós. No próximo ano é tempo de darmos razão à minha tia Rosália, a qual é na verdade uma segunda Mãe, que desde que me lembro sempre me disse: “pouco é amor, muito é desempenho.” Vamos lá cumprir esta máxima. O mundo será, indiscutivelmente, melhor!