Opinião

Verdade de papel

“O Açoriano Oriental” promoveu mais uma conferência, desta vez na Praia da Vitória e em parceria com o respetivo Município. O convidado foi Pacheco Pereira, que abordou a relação entre História e memória. Antigo político, investigador com obra publicada, comentador e promotor da associação Ephemera, que tenta salvar tudo o que é papel, Pacheco Pereira começou por nos lembrar Orwell e a sua distopia “1984”, em que a omnipresença do Big Brother (o original…) manipulava permanentemente a vida dos cidadãos, também através duma progressiva simplificação da linguagem, destituindo os cidadãos da palavra/poder, o que se afigurou verdadeiramente profético… Os perigos da manipulação da verdade e da história, para além dos erros e limitações dos seus próprios mecanismos naturais e individuais, encontram aliados nas diversas instâncias de poder, por maioria de razão nas menos democráticas, e na instantaneidade que a revolução digital comporta, quer ao nível da sedução em massa, quer dos controlos que possibilita, aniquilando o “luxo” da privacidade pessoal. E a euforia, ilusoriamente democrática dum poder direto, desvaloriza e quase dispensa todas as instâncias de intermediação, aos níveis político, sindical, académico e mediático. Assim, vai-se aniquilando o peso qualitativo das diversas autoridades, da racionalidade científica e das deontologias, sem tolerância para um tempo que seja mais do que instantâneo. Razão acrescida para o declínio do papel, que exige outro tempo, outra complexidade de linguagem e que tem, ironicamente, mais autonomia e mais longevidade… Para além das ilusões, é menos poder, menos liberdade e menos privacidade que esse mundo novo corre o risco de nos trazer, se não soubermos defendermo-nos e redirecionar as suas imensas potencialidades!