Opinião

O consenso dá trabalho

I. Uma certa maneira de fazer oposição e uma certa fação da opinião publicada confundem – a meu ver, propositadamente – consenso com eficácia. Dizem achar que a Democracia só funciona quando, no final do dia, estão todos de acordo. Quando a prática democrática e o livre exercício das várias opiniões político-partidárias geram posições distintas e irreconciliáveis, acham que o sistema está em crise e que precisamos de outros e melhores partidos. O assunto não é novo e até está estudado. Anderson e Guillory, por exemplo, no final do século passado e com base no índex das democracias de A. Lijphart, assente no binómio consenso-maioria, constataram que o consenso é sempre mais valorizado pelas minorias e que as mesmas forças políticas alteram a sua posição em relação ao assunto consoante ocupam, ou não, o poder. Ou seja, valorizar a obtenção de unanimidade em Democracia é normalmente um instrumento estratégico de quem não dispõe de maioria. Há nesta conclusão um pormenor bastante relevante. Quem não dispõe de legitimação eleitoral suficiente para decidir sozinho substitui, quase sempre, a saudável promoção do debate e a procura de consenso enquanto ideal pela imperiosa obrigatoriedade de se decidir por unanimidade. Quando isso não acontece, então estamos perante uma Democracia que não funciona e uma maioria que não respeita os ideais democráticos. II. Vem este introito de pendor mais académico a propósito da ideia que a oposição, acolitada por um orfeão de cronistas mais ou menos afinado, procurou fazer passar relativamente a um eventual insucesso da Comissão de Inquérito ao Grupo SATA porque o respetivo Relatório Final não beneficiou de um apoio generalizado das várias forças políticas com assento parlamentar. Ora, comecemos pela arqueologia da coisa. No início do ano de 2015, toda a oposição se juntou para criar uma Comissão de Inquérito ao Grupo SATA com vista ao apuramento da “verdadeira” situação económica e financeira daquela empresa – o qualificativo indiciava, a contrario, que a situação que se conhecia não passava de uma versão enganadora e eivada de propaganda, presumivelmente promovida pela maioria. O período de análise da Comissão (2009 a 2014), coincidente em traços largos com o período em que o atual Presidente do Governo Regional poderia ser politicamente responsabilizado, quer nas suas atuais funções, quer enquanto Secretário Regional da Economia, deixava também perceber que a “verdadeira” situação da SATA teria de ser, não só calamitosa, como também personificável. Iniciados os trabalhos, a mesma oposição, manifestando um certo enfado para com o novo regime jurídico das comissões parlamentares de inquérito e uma certa indiferença para com a fixação de um conjunto de questões a que a Comissão teria de responder no seu Relatório Final, concentrou-se exclusivamente em convocar inquiridos potencialmente polémicos e em solicitar documentação que comprovasse a tese de partida: a culpa é do Governo Regional e, em particular, do atual Presidente do Governo. Neste afã, até se esqueceu de procurar apurar respostas para perguntas que ela própria tinha colocado. Chegada a fase conclusiva dos trabalhos da Comissão e perante a necessidade de utilizar os 21 depoimentos e as mais de duas centenas de fontes documentais para responder fundamentadamente às questões colocadas de início, a oposição tinha em mão um punhado de manchetes de jornal e quase nenhum dado ou depoimento fundamentado que sustentasse a sua tese. Perante o Relatório Final proposto, optou, por isso, por gritar: não há consenso, não é verdade! III. Foi aí que surgiu a virtuosa teoria da ineficácia por falta de consenso. Mais do que promover a defesa de uma democracia plural e capaz de gerar aproximações entre pontos de vista distintos, a oposição procurou apenas desculpar a sua incapacidade e mascarar a sua estratégia sectária socorrendo-se dos insuflados méritos de um suposto discurso verdadeiro – o seu. A verdade não é consensual e a verdade política é-o ainda menos. O consenso é uma construção e dá muito trabalho, muito mais trabalho do que aquele a que a oposição se propôs quando, num dia de janeiro de 2015, decidiu que iria fazer mira ao Presidente do Governo usando a SATA como pretexto.