Opinião

Em política não vale tudo!

A autoria da frase é desconhecida, mas a sua repetição é usual, caindo já no banal. Mas não deixa de ser irónico que quem a repete consiga, no mesmo momento, afirmá-la e fazer o seu contrário. Isto a propósito do texto de opinião, publicado na edição de 09 de setembro deste jornal, assinado por Judite Parreira, deputada do PSD na Assembleia Legislativa dos Açores e Vereadora (sem funções executivas) da Câmara Municipal da Praia da Vitória, sobre a Área Urbana de Génese Ilegal (AUGI) do Bairro de Santa Rita, conhecido como "Bairro Americano", localizado nas imediações da Base das Lajes. Na sua ânsia de proteger o Partido, sem, em momento algum, procurar defender os habitantes do Concelho que deveria defender, Judite Parreira tenta demonstrar que o Governo da República nada tem a ver com um problema que se arrasta há anos, imputando culpas a tudo e a todos, menos a quem provocou o problema. Mas vamos aos factos: Na década de 50, foram celebrados diversos contratos de arrendamento rural entre donos de terrenos em redor da Base das Lajes e militares dos Estados Unidos, ao abrigo dos quais foi permitida a construção de moradias. Mesmo sendo ilegal do ponto de vista do Direito Civil, porque a autorização de construção extravasava o contrato de arrendamento rural, surgiram nesses terrenos 100 moradias. Anos depois, foi permitido (de tal forma que o próprio abastecimento de água é garantido pela rede operada no interior da Base) pelos Comando americano e Comando da Base Aérea N.º4 (sob tutela do Governo da República) que os militares norte-americanos vendessem essas casas a cidadãos portugueses. Com o passar do tempo, os novos proprietários viram-se impossibilitados de recorrer a qualquer apoio ou crédito bancário para procederem às necessárias reparações e manutenções das moradias. E mais anos passaram sem que a autoridade que permitiu o problema - o Governo da República (que tutela a Defesa) e é soberano daquele território afeto a uma infraestrutura militar - avançasse um milímetro na busca de uma solução que não penalizasse os proprietários das casas (que de boa fé as adquiriram, sendo, na sua maioria, agregados de baixos recursos) e os proprietários dos terrenos (a quem o Estado português arrendou, inicialmente, as parcelas). Comprometendo-se a apoiar a resolução do problema e fazendo uso dos mecanismos legais vigentes (a Lei n.º91/95), alterada entretanto pela Lei N.º70/2015, que regulamenta os processos de reconversão de áreas urbanas de génese ilegal, atribuindo às Câmaras Municipais a promoção desses mecanismo), a Câmara Municipal da Praia da Vitória, em 2007, avançou com os procedimentos, com o único objetivo de resolver o problema com que se viram confrontados aqueles munícipes, tal como é sua obrigação moral e legal. A mesma obrigação que tem o Estado português, não só porque falamos de cidadãos portugueses, mas sobretudo porque foi o mesmo Estado que permitiu este problema. O processo das AUGI's (a única via legal ao dispor do Município para a cabal resolução desta situação), em traços gerais, resulta na delimitação da área a legalizar, no seu loteamento e infraestruturação (arruamentos, redes de águas pluviais, etc.). No caso do "Bairro Americano", a legalização implica, entre outros investimentos municipais, a construção de uma nova rede de abastecimento de água e a sua ligação à rede pública. Contas feitas, vários milhões de euros gastos pelo Município, por um problema que não provocou. Aquando do encontro com o Primeiro-Ministro, em Outubro de 2014, o presidente da Câmara Municipal apresentou um pacote de medidas com vista à mitigação do impacto da redução da presença militar norte-americana na base das Lajes, onde se incluía o apoio a este processo, desonerando o Município, que tem de recorrer ao seu plafond para pagar uma fatura de algo que não comprou nem provocou. À proposta, o Primeiro-Ministro prometeu uma resposta concreta em 60 dias. Até hoje é esperada essa resposta, dando-se o ridículo de os responsáveis do Governo da República virem a público garantir estar prontos a ajudar a Praia, mas, perante casos concretos, dizem que a conta não é deles. Alheio a lutas partidárias, o executivo do Município da Praia da Vitória arregaçou mangas e lutou para resolver um problema dos seus munícipes, tal como o tem feito em outras situações. Porque é essa a sua obrigação: defender a Comunidade que representa. O mesmo não se pode dizer da atitude do Governo da República, que permitiu que se fizessem contratos ilegais; permitiu que perdurasse uma situação ilegal; e quando, quando chamado às suas responsabilidades, assobiou para o lado, culpando outros pelo seu pecado. Mas mais grave é que a vereadora Judite Parreira - empossada pelo voto popular para defender os munícipes e as instituições do Concelho - opta por defender um Governo da República que nada mais tem feito do que agravar a vida das famílias Praienses e opta por defender responsáveis partidários que apenas aparecem de mangas arregaçadas - mas sem trabalho feito ou vontade de o fazer - quando é preciso pedir votos. E tão grave é também o facto de a vereadora Judite Parreira conhecer o processo do "Bairro dos Americanos" e permitir-se omitir partes do processo a bem da sua argumentação, acusando outros de má-fé, quando a sua atitude não espelha outra coisa do que a má-fé que aponta aos outros. Por tudo isso, tenho de lhe devolver a frase: "em política não vale tudo", Sra. Vereadora Judite Parreira.