Opinião

A Economia que resolva

I. O leitor provavelmente não se recorda, até porque tem uma vida para gerir e muita coisa com que se preocupar, mas eu, que sou do ramo, lembro-me frequentemente que o líder do PSD Açores, no encerramento do XXI Congresso do partido, em março passado, prometeu retirar 40.000 açorianos da pobreza. É certo que não disse como e que o compromisso foi só para “quando” (as aspas são para deixar claro que a hipérbole não é da minha responsabilidade) for Presidente do Governo Regional, mas, se atendermos à relevância do assunto e à premência com que Duarte Freitas o abordou, seria de esperar que fosse desvendando aos poucos a estratégia. Tenho estado à espreita, mas nada. Cheguei mesmo a pensar se não teria sido uma gralha ou um excesso de entusiasmo do orador, o que também acontece, particularmente quando se está a falar para uma plateia que concorda com tudo o que nós queiramos dizer. Até que Cláudio Lopes, na qualidade de deputado eleito pela ilha do Pico, discursando na abertura das Jornadas Parlamentares do PSD, na Madalena, acabou com a minha ansiedade: o PSD Açores vai retirar 40.000 açorianos da pobreza fazendo nada, simplesmente nada. II. Não sei que designação técnica tem a estratégia, mas explica-se do seguinte modo: como o PSD não advoga políticas assistencialistas, num contexto que qualifica como “crise social e económica profunda”, “tem de ser a economia a dar resposta às necessidades das famílias e das empresas”. Ou seja, “quando” os social-democratas chegarem ao Governo, será a Economia a resolver os problemas sociais. Logo, será a Economia a retirar os tais 40.000 açorianos da pobreza – e eu que pensava que era também a economia, e os seus insondáveis desígnios, que colocava as pessoas na pobreza… Bom, seja como for, certo é que o PSD, uma vez no Governo, promete não tocar em nada. Apoios sociais não resolvem. Programas Ocupacionais são truques. Incentivos à reintegração são maus hábitos. O primeiro mandamento de uma eventual governação social-democrata será “Não farás nada que impeça a economia de fazer o que lhe der na gana”! Num primeiro momento, achei que estaríamos perante algo verdadeiramente revolucionário no âmbito da Ciência Política, porque, no fundo, seria um partido que queria ser Governo para não governar. Cheguei a pensar apelidar esta inusitada técnica governativa de indução eletrostática política. O PSD, uma vez no Governo, por influência de proximidade, distribui cargas elétricas num corpo eletricamente neutro (a Economia), que, por essa via, se torna mais ativo do que o corpo dador. Assim, o Governo fica quieto e a Economia aos saltos. Depois, de forma mais ponderada, percebi que não há nada de muito novo na vontade de deixar a Economia resolver os problemas que deviam ser, no interesse geral, assumidos pelo Governo. III. Aliás, essa é mesmo a base das governações liberais, que, por norma, consideram a pobreza um falhanço individual ou uma teimosia parasitária, que, como tal, deve ficar na dependência da Economia. Para esta forma de conceber a governação, a principal função dos poderes políticos é, assim, a de saírem da frente da economia privada e esperarem que os supostos efeitos positivos da atividade económica derramem o suficiente para cima da pobreza. Entretanto, e para que o Estado não estorve, é preciso reduzir a carga fiscal sobre as empresas, conceder incentivos a fundo perdido, alargar moratórias e um sem número de outras barreiras ao livre empreendimento. A Economia não é eleita, nem responde perante os cidadãos. A atividade empresarial visa o lucro e rege-se por padrões de eficiência quantitativa e interesse individual ou de grupo. É à Política que compete equilibrar o jogo, em favor, antes de mais, dos que estão à margem da dinâmica económica. Quem quer governar tem de ser representante dos milhares de pobres antes de ser representante dos milhões da Economia.