Opinião

Dignificar as freguesias

Com a ansia de abater tudo quanto mexe e de mostrar subserviente serviço perante a senhora Merkel e os patrões do capital, o governo de Passos Coelho tem procedido a uma razia nos direitos dos portugueses sem, no entanto, não deixar de proteger os seus – veja-se, por exemplo, o ordenado concedido ao motorista do senhor ministro Relvas ou a nomeação da irmãzinha da senhora ministra da justiça. O governo de Lisboa insiste em, indiscriminadamente, tudo cortar sem se preocupar com as nefastas consequências das medidas adotadas. À falta de coragem para cortar nos municípios mais poderosos, o alvo mais fácil não poderia deixar de ser, como agora se diz, o elo mais fraco, ou sejam as freguesias. Nada mais fácil para o legislador do Terreiro do Paço do que, de regra e esquadro e sem ter em consideração os condicionalismos geográficos e os fatores de ordem histórica, traçar o destino das freguesias e das suas populações. Como disse Carlos César, as freguesias e os seus órgãos autárquicos constituem um “espaço de participação democrática” acrescentando que “já temos a nossa democracia participativa tão debilitada que destruir estes níveis de participação, onde milhares de cidadãos prestam o seu contributo para o desenvolvimento local e onde se mobilizam vontades locais, não é bom para a nossa vivência cívica.” Esquecem alguns políticos que as juntas e assembleias de freguesia, são os autênticos pilares da vida democrática e, face à proximidade com as populações, são o primeiro elo que une o cidadão ao poder quer seja ele autárquico, regional e, até mesmo, nacional. Falamos com a experiência de mais de vinte anos de autarca de freguesia, oito dos quais como presidente da Junta de S. Pedro de Ponta Delgada e reconhecemos a importância fundamental daqueles órgãos de proximidade e de participação cívica e democrática. Em nossa opinião, à partida, não existem freguesias a mais pois, ainda nos últimos anos, assistimos à criação de novas, algumas delas, como é o caso da Santa Clara em Ponta Delgada, vieram dar um inegável impulso ao desenvolvimento social, cultural e à criação de infraestruturas que demonstraram ser altamente benéficas à vida da população. Por outro lado, também teremos de honestamente aceitar que a manutenção de algumas freguesias possa e deva vir a ser repensada, face à diminuição do número de habitantes, à localização e à comunhão de vivências com localidades adjuntas. Discordamos de Berta Cabral que advogou a manutenção das freguesias rurais, dando a entender que daria a anuência à extinção daquelas que se situam nas sedes dos concelhos. Se assim fosse, Ponta Delgada assistiria ao fim de S. Pedro, S. Sebastião, S. José e Santa Clara. Obviamente que, por exemplo, tanto a primeira quanto a última jamais aceitariam uma decisão nesse sentido. Outra questão vinda à colação, trata-se do que respeita às compensações atribuídas aos autarcas de freguesia e, com vossa licença, volto à minha experiência que vem do tempo em que não havia senhas de presença e que, nem por isso os vogais deixavam de estrar presentes nas assembleias e de participar, de alma e coração, na busca das melhores soluções para a sua freguesia. Se bem que não estejamos a falar de compensações milionárias, no conjunto do país certamente o encargo será de ter em consideração. Em nossa opinião, deveria ser reanalisado o sistema, retirando eventualmente as senhas de presença relativas às assembleias e reuniões de junta de freguesia. Por outro lado, não faz sentido que um presidente de junta a tempo inteiro ou a meio tempo, caso seja aposentado, acumule a reforma com a compensação autárquica. O mesmo se aplica ao secretário e ao tesoureiro em iguais circunstâncias. Justificar-se-á o pagamento de compensação a três autarcas nos casos em que a junta está aberta ao público uma ou duas vezes por semana, durante uma ou duas horas? Sabemos perfeitamente que o desempenho das funções autárquicas implica, por vezes, deslocações e refeições fora do domicilio e por isso, defendemos que, quando devidamente justificado, seja a autarquia a assumir essas despesas. Conhecendo o espírito de servir da maioria daqueles que se disponibilizam para estar ao serviço dos outros de uma forma solidária, acredito que a ausência de compensação ou uma eventual redução da mesma, não implicaria a perda de qualidade do serviço prestado e, em certos casos, permitiria até que muitos outros cidadãos, devidamente capacitados, se disponibilizassem para o exercício da tão nobre função de autarca de freguesia. A atestar a generosidade de muitos autarcas, conheço e felizmente também participei em assembleias de freguesia aonde as compensações eram doadas para o auxílio de cidadãos em dificuldade e em juntas cujos membros do executivo constituíam, com o montante recebido, um “saco azul” (no bom sentido) para acudir a casos que, muitas vezes, nos retiravam o sono! Respeitem as freguesias e dignifiquem os seus autarcas!