Opinião

Silêncios que fazem eco em Belém

A defesa da Autonomia e das competências dos órgãos de governo próprio da Região não é um preciosismo ideológico ou um ímpeto circunstancial de afirmação político-partidária. É sim a defesa de princípios, de valores e de regras que nos permitem desenvolver políticas públicas que defendam os Açores e os Açorianos, adaptadas à nossa realidade, às nossas especificidades sociais, geográficas e territoriais. E é com base nesses pressupostos que o Governo resolveu implementar medidas compensatórias para os Açorianos sujeitos ao plano de austeridade nacional. Aumentou o complemento de pensão para os idosos, aumentou o complemento de abono, criou um fundo social para situações de pobreza súbita e uma remuneração compensatória para os funcionários públicos que vão sofrer os cortes do plano de austeridade nacional, esta última tem dado grande polémica. Subitamente, o país político escandalizou-se com essas decisões, e nem tentou perceber questões essenciais deste processo: a primeira é que os Açores têm autonomia política, administrativa e financeira, que lhe permite gerir os seus recursos. A segunda é que esta remuneração compensatória que tanta polémica tem gerado é atribuída com as verbas que estavam destinadas a obras no estádio de São Miguel. O Governo Regional fez uma opção política, dentro das suas competências: decidiu não dotar um campo de futebol de uma nova cobertura para, em alternativa, ajudar açorianos que vão perder rendimentos. Nos Açores, esta opção é perfeitamente aceitável, mesmo por vários partidos e sindicatos. No continente, os mesmos que durante décadas desbarataram as finanças públicas nacionais, sentem-se muito ofendidos com esta opção. Estes mesmos alegam, ainda, a questão da solidariedade dos Açores para com o Continente. É um argumento bem demonstrativo ao que chegamos. Uma região insular, dispersa e periférica, que controlou bem as suas finanças públicas, deve abster-se de ajudar os açorianos, porque o resto do país não se controlou durante décadas. Depois tem sido, repetidamente, referido o argumento que a remuneração compensatória é despesa e não investimento reprodutivo. Ao nível meramente orçamental, até pode ser que seja. Mas na economia real, aquela que interessa aos Açores, será dinheiro que vai entrar nos mercados, através do consumo que os funcionários públicos vão efectuar, seja nos restaurantes, nas lojas, em férias, etc. Quem não quer perceber estes argumentos é porque não quer perceber o que são os Açores. O que custa viver nestas ilhas. A autonomia é isso mesmo. Aliás, a classe política nacional pode não querer perceber isso, mas está obrigada pela própria Constituição da República Portuguesa a fazê-lo. É a nossa Lei Fundamental que, no seu artigo 81º, diz que é uma das incumbências prioritárias do Estado “promover a correcção das desigualdades derivadas da insularidade das regiões autónomas”. O que nos revela, assim, este caso? Que os agentes políticos nacionais, de todos os partidos e da própria arquitectura do Estado, não perdem uma oportunidade para atacar a autonomia, não tentando sequer compreender as razões genuínas das reivindicações insulares. O que nos cabe fazer? Contrariar sempre este espírito redutor com argumentos válidos e objectivos, tendo unicamente como limite a unidade do Estado prevista na Constituição. Em boa verdade isto mesmo tem sido feito por todos os partidos nos Açores, com excepção do PSD/Açores. O maior partido da oposição pode até não concordar com a remuneração complementar, como é seu direito, mas não pode ficar calado contra as barbaridades que têm sido ditas das competências dos órgãos de governo próprio dos Açores, ou seja, da estrutura da própria Autonomia. Espera-se, por isso, que a líder do PSD/Açores venha a debate, que diga o que pensa desta situação. Se acha bem, por exemplo, que Marques Mendes defenda a redução de transferências para os Açores porque, apenas e só, o Governo Regional decidiu apoiar os açorianos. A líder do PSD/Açores não se pode iludir. Se tivesse sido aprovada a redução do IRS que o PSD/Açores propunha o “escândalo” nacional seria o mesmo ou maior. Em boa verdade, não foi a remuneração compensatória, em si mesma, que gerou as desconfianças nacionais. Foi, sim, o facto desta medida ter sido tomada por um Governo Regional, no exercício pleno da Autonomia. É, por essa razão, que o silêncio de Berta Cabral está a fazer eco desde os Açores até ao Palácio de Belém, em Lisboa.