Dionísio Faria e Maia apresentou, esta quinta-feira, à Assembleia Legislativa dos Açores, em nome do PS/Açores, o seguinte voto de pesar, aprovado por unanimidade, que se transcreve na íntegra:
VOTO DE PESAR
PELA MORTE DO DR. FRANCISCO LUÍS DE SEQUEIRA SAMPAIO DA NÓVOA
Da Medicina e dos médicos talvez em Portugal, ninguém como Fernando Namora melhor descreveu e romanceou esta profissão. A sua obra Deuses e Demónios da Medicina resume esta tese do que a medicina foi através dos tempos, resumindo-a sempre a uma dimensão humana de que os médicos o serão sobretudo no exercício deste mister e sobre todas as coisas no humanismo e entrega ao bem comum.
Francisco Luís de Sequeira Sampaio da Nóvoa, nascido a 03 de novembro de 1924 na Freguesia de Matriz da Póvoa de Varzim, faz um percurso académico entre Coimbra, Lisboa e Porto, onde conclui a sua formação específica fixando-se depois permanentemente em Ponta Delgada no início dos anos sessenta do século passado.
Francisco Sampaio da Nóvoa pertenceu a este histórico recente da figura do médico que como símbolo generoso e altruísta bem podia ter sido um “João Semana” açoriano, porque sempre disponível para consultas domiciliárias a qualquer hora, faltando-lhe somente os predicados do personagem das Pupilas do Sr. Reitor, de Júlio Dinis, precisamente porque a discrição, a serenidade de caráter, a educação e bom trato, o fizeram um médico urbano, mas acessível a toda uma comunidade predominantemente rural, que o procurava e reconhecia pelas ajudas recebidas.
Multifacetado na sua prática clínica, numa altura em que ao médico competia dominar muitas áreas do conhecimento médico, torna-se Diretor Clínico da Casa de Saúde de São Miguel, Hospital da Ordem Hospitaleira de S. João de Deus, em 1961, instituição vocacionada para o tratamento das doenças mentais e dependências, neste caso predominantemente do abuso continuado do consumo de álcool, onde durante quase 45 anos ininterruptos exerce com dedicação e zelo estas funções; e integra o Serviço de Pediatria do antigo Hospital da Misericórdia de Ponta Delgada, depois Hospital público de S. José onde trabalha até aos 70 anos de idade e por os ter completado no seu dia de Urgência, cumpre neste dia as suas 12 horas de serviço de urgência.
Estava-se na década de 60 do século passado, quando inicia as suas funções, numa altura em que a taxa bruta de mortalidade era de 10,7o/oo e a taxa de mortalidade infantil de 77,5o/oo nados vivos, em que as mortes por síndromes de privação do álcool eram frequentes, porque não existiam os meios atuais para o seu tratamento, em que a doença mental era estigmatizada e a institucionalização extremamente frequente, em que a epilepsia era tratada com fracos recursos medicamentosos e sem meios diagnósticos complementares.
Quando no início da década de 80 tive a oportunidade e o privilégio de iniciar o meu estágio em Pediatria com o Dr. Sampaio da Nóvoa e o Dr. Homem de Gouveia, então os dois únicos médicos em serviço na Pediatria do Hospital de S. José em Ponta Delgada, apercebi-me da dureza do trabalho e capacidade exigida para aguentar uma taxa de internamento altíssima e uma mortalidade infantil que ainda o era de 24,3 o/oo em Portugal e nos Açores certamente mais elevada de que não possuo estatística.
Partilhamos a alegria nas altas que dávamos e a grande tristeza e o desânimo quando tínhamos nos braços um infante morto, inglória nossa, má sorte ou má sina destes e dos pais em sofrimento. Mas a sua serenidade e bom trato, dava-nos a força anímica necessária para o combate do dia seguinte.
Discreto, com uma grande resistência e capacidade de trabalho, manteve a Pediatria e a Neuro-psiquiatria de então como áreas de eleição para o seu exercício da medicina.
Em reconhecimento pela sua ação em benefício dos utentes e da Instituição, é-lhe prestada homenagem pública, sendo desde 07 de março de 1998, tal como o descreve em carta manuscrita; e cito, “com muita reverência e humildade Egrégio colaborador da Ordem dos Hospitais de S. João de Deus por bondade de Frei Pascual Piles superior Geral da Ordem, sendo-lhe erigido um busto em bronze no espaço público desta Instituição, para memória futura”.
A Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores, em 2007, agracia-o com a Insígnia Autonómica de Mérito Profissional, numa justa homenagem a quem dedicou a sua vida profissional intensa e multifacetada, mas com forte impacto na melhoria da assistência à pediatria e à doença mental e dependências.
Hoje, nesta mesma Assembleia, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista, nos termos regimentais aplicáveis, apresenta um voto de pesar pela sua morte, dando-se disso conhecimento à sua esposa, à Ordem Hospitaleira de S. João de Deus, ao Hospital do Divino Espírito Santo em Ponta Delgada e ao Conselho Médico da Região Autónoma dos Açores da Ordem dos Médicos.
Horta, Sala das Sessões, 7 de setembro de 2017.