Opinião

Precisaremos mesmo de assim tantos mais professores?

      "Educar não é repetir palavras. É criar ideias, é encantar."
      Augusto Cury

Que me perdoem o atrevimento. O desplante. Este meu arrojo de aqui vir e, convictamente, defender uma opinião muito própria e um pouquinho, não muito, mas na verdade um pouquinho ao arrepio da maré. Talvez o motivo intemporal do apelido com que me apresento na vida se encontre assim mais do que justificado, chamando-lhe eu de intemporal, tão simplesmente porque afinal lhe perdi o rastro nos tempos idos de imemoriais. Defeito ou feitio de família, o que na pele sinto é que raramente é vantajoso, esta coisa de não ter modo de conter uma vontade transbordante de se ir dizendo exatamente aquilo que se pensa sobre os mais diversos assuntos. Uma coisa é certa: sempre sobre os assuntos. O que nos vale é o facto de, democraticamente, a cada cidadão adulto caber um voto, e de que a cada opinião pessoal se somarem imensas outras. Dilui-se assim qualquer coisa no fardo da responsabilidade.

Nenhum ovo de Colombo. Efetivamente, nada de brilhante ou de original. Atento, porém, que me procuro manter, não o tenho ouvido de ninguém. Ou pelo menos estabelecendo ligação direta. Explico. Trata-se da falta de docentes nas nossas escolas. Sério problema do sistema educativo regional, inegável, inclusivamente nacional, não dizendo até mais de modo a evitar perder-me na imensidão do assunto. De acordo. Mas se de medicina falando estivéssemos, o diagnóstico que faria da patologia em apreço, por assim dizer, encontrar-se-ia um pouco ao lado de tudo aquilo que já li e ouvi. Há sempre alguma probabilidade de não me encontrar com a maior clarividência, obviamente, qual babadíssima mãe do magala que, marchando este em sentido oposto a todos os outros, seria precisamente o único a fazê-lo corretamente. Ora, se o meu diagnóstico não se encontra na perfeita coincidência (em plenitude, que bem se entenda) com a generalidade dos demais, a minha prescrição de tratamento terá, também ela, e por força da lógica, de ser desenhada de modo um pouco diverso. Faz-me sentido.

Faltam docentes nas escolas, é claro que sim, porém, e a meu ver, aquilo onde exatamente faltará intervir com a máxima urgência encontrar-se-á bem mais a montante. Impera a necessidade de uma mão governante ativar aquilo que absolutamente todas as mais modernas e eficazes pedagogias do mundo há muito preconizam: a revitalização dos currículos e suas matrizes. E no que toca à forma, indissociável do conteúdo, emerge a necessidade de uma ação inadiável - a redução do número de horas letivas semanais a que os alunos se encontram obrigados a cumprir, cativos e sem permissão do uso de movimentos mais amplos do que aqueles que o próprio braço consegue alcançar.

Atalhando de foice, e para que aqui não caia, também eu, em semelhante buraco como o das ininterruptas aulas de noventa minutos, das que se eternizam. É de carácter urgente o aumento da qualidade do tempo de aprendizagem real diminuindo a enormidade de horas letivas dos alunos, crasso erro que redunda, invariavelmente, numa infrutífera aprendizagem formal. E que relação tem isto, afinal, com a problemática apresentada inicialmente? - questionará o leitor. Toda, responderei eu. Alunos com menor carga letiva formal, e repito, formal, corresponderá a uma muito menor necessidade de horários letivos de formal docência. Menor necessidade de professores titulares, portanto. E com toda a fluidez e naturalidade, no palmilhar deste caminho, potenciadas seriam muitas outras capacidades de revitalização de todo o sistema. Assim de repente, sem pré-aviso e nem muito pensar, eis meia-dúzia: (1) potencial melhoria do aprendizado por aumento do interesse dos alunos pela escola e pela aprendizagem, (2) aumento da capacidade de, cirurgicamente, colocar docentes em apoio individualizado em sala de aula, (3) aumento da capacidade de se proporcionarem excelentes e atrativos horários semanais, docentes e discentes, (4) desafogo quanto à preocupante necessidade de cativar e fixar mais docentes, (5) aumento da capacidade das unidades orgânicas escolares na gestão dos seus próprios recursos humanos docentes (como p.e. na distribuição das direções de turma, eventualmente optando-se por docentes de disciplinas menos pressionadas pela problemática), (6) aumento da atratividade do nosso sistema educativo em detrimento de outros. Ficando-me então pela meia-dúzia, concluo com uma interrogação, mais do que fazendo qualquer espécie de magia ou malabarismo: precisaremos mesmo de, desenfreadamente, "andar à caça" de mais e mais professores ou, vendo as coisas um pouco mais aprofundadamente, de investir muito mais na qualidade do ensino?