Opinião

Na submissa dependência de um senhor independente

Orçamento Regional. O mote.

Finda a época estival e já lá vem, a passo largo, amplo mesmo, aquela que é a tão esperada, belíssima e performativa terceira época festival. Não, não é mesmo o da canção, nem tão pouco o do cinema, não se eximindo, porém, de excessivas semelhanças. De teatro há bastante, pena é que de muito duvidosa qualidade, a representação. Que boa fosse, ao menos, porém não. Muito mau.

O nome que lhe daria, ao epopeico festival, seria assim qualquer coisa do género como "a arte de bem chantagear sem que o eleitor nem sequer possa imaginar". Demasiado longo, o título? Talvez, demasiado longo o título, porém esta minha capacidade de síntese - ou a falta dela, melhor dizendo - para mais não deu. Nem sempre dá. Mas adiante. Três pancadinhas de Molière e lá vai entrando, verdadeiramente indignado, o senhor deputado denominado de "o Independente", e desde logo avisando, alto e bom som, que quem afinal por cá manda e a seguir desmanda é mesmo o próprio. Ele.

Apesar de só. Apesar de brigado. Apesar de independente. O próprio. Ora nem mais. E, portanto, que ninguém lhe diga que ninguém lhe liga, porque então é aí que o senhor Independente afina e que a lagartinha começa mesmo a trepar caule acima, essa petrificante ameaça de, num qualquer destes dias, chegar com efetividade inesperada àquelas que se julgam de verdejantes e eternas folhas de couve. Rasgar o acordo de incidência parlamentar é afinal o que, metaforicamente falando, significará subir às couves, bem entendido.

É que aqui há atrasado, como se diz lá no Norte, lembrara-se, tão ilustre membro do governo regional, de desvalorizar a brilhante ideia de implementar um tarifário único para o transporte coletivo rodoviário, afirmando uma coisa que, para Independente que se preze, só poderá ser vista como de redondamente inaceitável, contrariando assim, de modo bastante displicente, o incontrariável: "não é exequível nem justo!" - disse. E ponto. Como?! Não é exequível nem justo? Como assim, não é exequível nem justo? Mas então que atrevimento vem agora a ser este? Por acaso, senhora secretária, já se apercebeu com quem afinal está falando e logo em vésperas domais esperado, belíssimo e performativo epopeico festival? Já?! E olhem lá, atentos, que metadinha da largatinha encontra-se já com os quatro pezinhos da frente no tenro tronco, corpinho arqueado e quase, quase, quase a trepar, assim como que avisando, "agarrem-me, agarrem-me, é porque senão vou-me mesmo às couves!". Cartinha de exigências em bom andamento.

Mas alto lá e para o baile! Ordem no palácio! Chazinho e biscoitinhos em reconfortante degustação lá p'ro Paço de Sant'Ana, e haja consensos. Meia-dúzia de palmadinhas nas costas, um permanente sorrisinho atencioso e sempre bem direcionado ao senhor deputado, e a coisa vai, isto resolve-se. Palavra de presidente. Afinal de contas, meu amigo, há que aprimorar apenas com um pouquinho mais de exatidão aquilo que a senhora secretária afirmou muito corretamente, ainda que, pensando melhor, talvez mais para o lado do incorretamente porque escutada pelo senhor Independente. E já que assim foi, refletindo noutra perspetiva, a medida, afinal, até nem será sempre inexequível, digamos assim, nem na verdade, tão completamente injusta.

E é vê-las, então, às tais quatro ameaçadoras patinhas recuando, caule abaixo, ligeiramente recuando, recuando, passando apenas a duas. Cartinha de exigências a entrar na gaveta.

Há muito que o jogo assim rola. Dos mais pequenos e poderosos, aos maiores e ainda mais manietados. Não há como, lá de quando em vez, se arregaçar bochechas até franzir bem todo o rosto, e exibir sem medos, muitíssimo bem exibidos, aqueles mais longos e brancos caninos - naturalmente em proporção da dimensão de cada um - ainda que nem sempre longos, os caninos, e ainda que nem sempre branca, a tal dentuça. Não há. E, portanto, posto isto, show must go on, my friends! Suba o pano a outros atos e venham de lá essas couves! Mas, oh, com cuidadinho... é que a gaveta é só abrir...