Opinião

Numa terra distante...

Era uma vez uma terra distante e pequena, mas que legitimamente ambicionava ser maior do que as maiores. Não tinha muita gente, mas queria seguir o modelo das cidades de milhões. O governo lá do sítio, numa bela manhã, teve uma brilhante ideia. Decidiu que estava na altura de mudar.

Mudar as rotinas. Mudar os hábitos. Mudar as regras. Virar do avesso a pacata terra. Afinal não somos menos que as outras grandes terras. E, vai daí, nada melhor do que anunciar um concurso de ideias para revolucionar a vivência plena do coração de tão abençoada terra.

A ideia, a sair do concurso, teria de potenciar o esplendor das gigantescas praças, imponentes monumentos, esplendorosos palácios, inolvidáveis edifícios, tudo conjugado com o imprescindível deleite proporcionado pela vista mar e o sol radioso de manhã à noite de janeiro a dezembro. Este era o plano inicial do governo da terra lá distante. Acontece que rapidamente, aos primeiros chuviscos, foi decidido que era preciso acelerar. Não viesse por aí abaixo uma grande borrasca. E a verdade é que os caminhos e estradas da tal terra distante, com os seus enormes buracos e piso tremendamente irregular, não podiam esperar pelas brilhantes ideias saídas do tal concurso. Nem sequer pelo ajuste direto entretanto efetuado.

As obras tinham de arrancar já. Era imperioso colocar máquinas em ação. Não se podia olhar a sábados e domingos. Era fundamental arregaçar as mangas. A sustentabilidade ambiental, social e quejandos exigia celeridade máxima. Não se podia com tanta poluição e com tanta emissão de carbono. As queixas eram, a cada hora que passava, aos milhares. Era mesmo preciso agir. Era preciso separar águas. A magnânima praça central não podia continuar assim. Era fundamental dar-lhe ar puro e flores e vasos. Grandes e arquitetonicamente bonitos vasos. Quais obstáculos inultrapassáveis... exceto para táxis e talvez cavalos.

O Povo extasiado com tremendo rasgo saiu à rua. As palmas, no meio do silêncio ensurdecedor, ecoavam até largos quilómetros de distância.

Principalmente fora das horas de ponta na estrada ao lado, a poucos palmos, de tão sublimes vasos decorativos. Os encómios a tão brilhante atuação desaconselhavam qualquer reação. A outrora terra distante e pequena estava a crescer. Estava a ganhar vida. A economia estava mais pujante do que nunca.

As famílias vinham cada vez de mais longe para usufruir das benesses concedidas. Até São Pedro era um aliado. O sol e as altas temperaturas convidavam à demorada permanência nas esplanadas que ladeiam todas as praças e zonas de referência e culto da tal terra distante. A animação e musicalidade era permanente. O Povo vivia feliz. A ideia sem qualquer concurso estava a resultar muito melhor do que qualquer concurso de ideias...

Havia, no entanto, uns “velhos do Restelo” que não se esqueciam do tal concurso e de outras coisas. E que queriam ser ouvidos e respeitados. E que exigiam planeamento e muito racionalidade. Mas esta crónica é ficcionada e assim já começa a ter contornos reais...

Uma santa Páscoa para todos!