Opinião

Folclore orçamental

I
A entrega do Orçamento do Estado na Assembleia da República é, sem que se consiga perceber uma única razão válida, seguida ao minuto pelas diversas televisões e demais órgãos de comunicação social.
Os diretos da Assembleia da República começam pela fresca, mesmo sabendo que a prática é o dito documento ser entregue perto da meia-noite. Mas lá temos, de hora a hora, noticiário a noticiário, uma passagem pela (o) jornalista que está “plantado” nos corredores do Parlamento. Quando se aproxima da hora habitual, a azáfama é maior. As televisões quase que se atropelam para conseguir o melhor ângulo. Os espetadores, tal como eu, estão em pulgas. As casas de apostas, mais ano menos ano, têm disponíveis apostas relativamente à hora e minuto da entrega; cor do envelope que o Ministros das Finanças leva ao Presidente do Parlamento ou à cor e forma da pen. Este espetáculo mediático termina, habitualmente, com palavras de circunstância do Senhor Ministro. A apresentação da proposta do orçamento é feita na manhã seguinte. Geralmente, através de uma longa explanação a cargo do Ministro e Secretários de Estado, a que se seguem muitas perguntas dos jornalistas presentes. Este, sim, é o momento importante. A espera da pen, até com direito a relógios em estúdio, é puro folclore. Não estará na altura de terminar com isso?

II
Outro dos “cromos orçamentais repetidos” são os rótulos, adjetivos ou epítetos. Ou temos, em tempos de vacas magras, o “melhor orçamento possível”. Ou, por altura de vacas mais gordas, o “orçamento mais qualquer coisa de sempre”. É um clássico. Desta feita, temos, na República, citando o Ministro João Leão “o orçamento mais ambicioso de sempre”. Esta adjetivação foi utilizada a respeito dos apoios sociais (reforço dos abonos de família, dos apoios para as crianças e um novo aumento extraordinário de pensões). Por cá, segundo notícias vindas a público à boleia da Lusa, o Governo prevê investir, em 2022, cerca de 962,2 milhões de euros, o maior valor de sempre no arquipélago. Trata-se, segundo a Lusa, de um aumento de 18 milhões de euros de investimento público, em comparação com 2021. O papel, como se diz, aceita tudo. Aguardemos pelos números reais…

III
As negociações, mais ou menos simuladas, para se almejar a aprovação de cada orçamento também costumam fazer correr muita tinta. Cá e lá. Por cá, ainda só temos um capítulo. Pela capital, a história é bem mais comprida. E ganhou outros contornos com a denominada geringonça. Os partidos mais pequenos, sabendo que o seu peso por esta altura ganha uma roupagem diferente da realidade, surgem com uma espécie de cardápio. Mais aqui, mais ali, reforço disto, reforço daquilo... Resumindo, e fazendo o raciocínio académico de aceitação de todas as reivindicações e propostas daqueles que vão acabar por viabilizar o orçamento, dispararia o valor previsto para o investimento público, da despesa pública e do endividamento. Talvez seja por isso, ainda que dificilmente em benefício do próprio, que Rui Rio quer a todo o custo colocar limites expressos na Constituição. Ainda que não haja os tais limites, a verdade é que no fim tem imperado um mínimo de razoabilidade. Este ano não se prevê que seja muito diferente. O que pode variar é a qualidade do folclore...