Opinião

E esta, hein?

Fernando Pessa foi um dos mais famosos jornalistas portugueses do século XX.

Nascido em abril de 1902 e falecido em abril de 2002, a dias de assinalar 100 anos de idade, foi na década de 30 que deu os primeiros passos na sua carreira jornalística, ao transformar-se no primeiro locutor da então recém-criada rádio Emissora Nacional.

Quatro anos volvidos, foi convidado para trabalhar na BBC, em Londres, e durante o tempo que lá trabalhou notabilizou-se como correspondente durante a Segunda Guerra Mundial.

Em 1947, regressou a Portugal e 10 anos depois fez a sua primeira emissão em direto para os microfones e câmaras da RTP na Feira Popular de Lisboa.

Desde então ficou célebre como repórter televisivo marcando de um modo inesquecível os seus trabalhos com a expressão "E esta, hein?" recorrendo à sátira para denunciar situações desagradáveis do quotidiano do nosso País.

Há poucos dias atrás assinalou-se a Segunda Feira da Serreta e a festa anual em honra de Nossa Senhora dos Milagres.

Originária do século XVII, encontra-se ligada a momentos difíceis da história da Região em que a esperança do povo se centrou para a ajuda divina da Nossa Senhora dos Milagres. Prometeu o povo que, caso a ilha não sofresse qualquer investida inimiga, seria promovida uma festa anual em honra de Nossa Senhora.

A primeira celebração data de 11 de setembro de 1764 e desde então várias peregrinações se sucederam, com pedidos de intercessão ou de proteção que evoluíram da guerra para as dificuldades pessoais e sociais hoje em dia vividas.

Para a participação nas celebrações, o Governo Regional tradicionalmente concede tolerância de ponto para os trabalhadores dos serviços públicos regionais da ilha Terceira.

No ano passado, pese embora o cenário Pandémico, em que a nove de setembro se registavam 37 casos positivos ativos de COVID-19 na Região, o Governo Regional de então decidiu conceder a referida tolerância de ponto.

Sendo 2020 ano de eleições regionais, rapidamente surgiram vozes críticas na sequência da decisão tomada pelo Governo, vozes essas de quem hoje em dia diz que no passado sempre colaborou e não fez da Pandemia arma de arremesso político.

Uma dessas vozes foi do agora Secretário Regional da Saúde e Desporto.

Perante a concessão da tolerância de ponto para a Segunda Feira da Serreta, Clélio Meneses insurgiu-se afirmando que era o "cúmulo da brincadeira e da falta de vergonha", apelando para que, no seu entendimento, se parasse "de fazer politiquice e ignóbil caça ao voto com um assunto com esta relevância e consequências".

Entendia o agora Secretário Regional da Saúde e Desporto que a decisão do então Governo foi a "última graça" "entre tantas e tantas trapalhadas que não iluminam mas baralham os cidadãos, num tempo de tamanha escuridão".

Como o próprio referiu, na sua cabeça "não fazia qualquer sentido conceder uma tolerância de ponto para que as pessoas participassem numa festa quando o Governo desincentiva e proíbe a realização de... festas."

Mais acrescentava Clélio Meneses que "se não existem touradas na ilha e se são desaconselhados os ajuntamentos sociais, porque cargas de votos o Governo incentiva o Povo a não ir trabalhar e a ir para a festa!?..."

Entendia o Secretário Regional da Saúde e Desporto que o Governo havia concedido a tolerância de ponto "Só mesmo por essa simples mas imperial razão: o próprio "voto", de quem dependem os instalados na desvirtuação que fazem da democracia, cada vez mais servidora dos eleitos do que dos eleitores, inebriados que estão com os fumos do poder que iludem e anestesiam..."

Um ano depois, com eleições autárquicas agendadas para o próximo domingo, com 116 casos positivos ativos de COVID-19, Clélio Meneses e o Governo Regional decidem conceder "à semelhança dos anos anteriores" a referida tolerância de ponto, tendo "como objetivo unicamente a celebração e manifestação cultural e religiosa e não autoriza qualquer tipo de ajuntamentos ou manifestações lúdicas ou culturais"...

Citando Fernando Pessa: E esta, hein?