Opinião

Com a verdade se engana

Na sessão plenária que na semana passada se realizou na Assembleia Legislativa Regional, um dos assuntos debatidos foi uma proposta de Decreto Legislativo Regional apresentada pelo Governo, que visava proceder a uma sexta alteração ao Regime Jurídico de Apoio ao Movimento Associativo Desportivo.
Em março deste ano, na sequência do trabalho realizado no ano anterior, foi aprovada por unanimidade uma alteração ao referido regime jurídico, de modo a adotar medidas excecionais de proteção à prática desportiva na sequência da situação pandémica que ainda vivemos.
A proposta debatida e aprovada por unanimidade em março, à partida mais consensual que esta última, foi analisada e discutida em sede de Comissão de Assuntos Sociais, na qual foi deliberado proceder à audição do Governo, bem como solicitar pareceres escritos a todos os clubes com equipas ou atletas integrados em competições desportivas nacionais e a todas as associações de modalidades.
Desta feita, Governo e partidos da coligação não quiseram auscultar os clubes e associações, pedindo urgência no debate, atendendo, segundo os mesmos, às alterações a introduzir na época desportiva 2021/22.
Que alterações de relevo teremos então para a época desportiva 2021/22 e que, segundo o Governo e partidos que o suportam, justificaram a urgência sem auscultar clubes e associações?
Para a época desportiva 2021/22, no caso concreto do futebol, a Federação Portuguesa de Futebol decidiu avançar com a criação da Liga 3, o recém-criado terceiro escalão do futebol português que se segue, assim, às já conhecidas I e II Liga.
A criação desta terceira liga levou consequentemente a uma alteração do modelo do Campeonato de Portugal, na medida em que a prova será reduzida em séries e em equipas, passando a seis séries e a 63 clubes (40 transitam das fases de permanência, 18 são indicadas pelas associações de acordo com os resultados das provas distritais, um clube de cada região autónoma e ainda os três clubes da Região Autónoma da Madeira que desistiram do campeonato de 2020/21).
Segundo o Secretário Regional da Saúde e Desporto, a criação desta Liga 3 era a justificação para a urgência do debate, atendendo ao início da época desportiva.
Contudo, quando questionado relativamente ao número de clubes Açorianos que irão participar na Liga 3, o mesmo remeteu-se ao silêncio.
Teve vergonha e não teve a coragem de responder.
Não teve a coragem de dizer que na primeira edição da Liga 3 não haverá qualquer clube Açoriano a participar na prova.
Zero. Nem um.
Não teve a coragem de o assumir porque assim cairia por terra o seu argumento da criação de uma nova prova para a "tão necessária" e "urgente" alteração ao regime jurídico de apoio ao movimento associativo desportivo.
Por outro lado, a proposta apresentada pelo Governo propôs-se a alterar o "índice dos cálculos, por forma a introduzir um novo nível intermédio".
Quando questionado o Secretário Regional da Saúde e Desporto sobre qual o "novo nível intermédio introduzido", o mesmo não respondeu.
E não respondeu porquê?
Porque na realidade não foi introduzido nenhum nível intermédio.
Na realidade, a proposta apresentada pelo Governo e aprovada pelos partidos da coligação, o que fez foi alterar os artigos 27.º e 42.º, bem como revogar o anexo III que apresentava, de forma clara e transparente, o índice para cálculo dos montantes a atribuir aos clubes pela utilização de atletas formados nos Açores.
No referido anexo (incrivelmente menosprezado pelo Governo e pelos partidos que o suportam durante o debate) constavam as diferentes modalidades, os diferentes níveis competitivos e os respetivos índices consoante o número de atletas formados ou não formados nos Açores.
Assim o que fez o Governo?
Ao invés de manter de forma clara e transparente que a comparticipação financeira pela utilização de atletas formados ou não formados nos Açores seria feita, como até aqui, de acordo com o constante no referido anexo, o Governo passou a ser o único "dono e senhor" dessa determinação, através de uma portaria da responsabilidade do Secretário Regional da Saúde e Desporto.
Ou seja, o que até aqui era do conhecimento de todos os clubes e associações passa a ser, apenas e só, do escrutínio do Secretário Regional da Saúde e Desporto.
Instado a assumir perante a Assembleia Regional que não iria reduzir os montantes dos apoios financeiros até aqui atribuídos, o Secretário Regional da Saúde e Desporto não se quis comprometer.
Não obstante, de outras alterações se fez a proposta apresentada pelo Governo e aprovada por maioria na Assembleia. Nomeadamente com a inclusão do conceito de "Atleta Internacional".
Gato escondido com o rabo de fora?
A verdade é que, prévia à discussão na Assembleia, clubes e associações contactaram com o Grupo Parlamentar do PS/Açores a dar nota da sua preocupação perante a dita urgência com receio de verem reduzidos os seus apoios.
Contudo, não deixa de ser curiosa a entrevista de Luís Carneiro, Presidente do Sport Club Lusitânia, a este mesmo jornal, curiosamente, na semana passada.
Projetou o mesmo que o Lusitânia "irá investir mais na qualidade do processo e método, conquanto com alicerces sustentados no plano financeiro" acreditando que "estão reunidas as condições para elevar o nível competitivo da equipa de futebol sénior", numa "aposta sustentada em vários atletas de fora da Região".
Considerando a débil situação financeira do clube, o presidente foi confrontado com o facto do futebol do Lusitânia deixar cair o apoio ao atleta formado nos Açores, no valor de trinta mil euros.
Quase parece que se adivinhava o que se iria discutir e aprovar com urgência na Assembleia Regional nessa mesma semana...
Com a verdade se engana.