Opinião

Ser criança num mundo desigual

Em novembro de 2020 foi publicado "Um olhar sociológico sobre a crise COVID-19" da iniciativa do Observatório das Desigualdades do ISCTE.
Destaco desde logo o primeiro artigo "Desigualdades Sociais e a Pandemia" de António Firmino da Costa, que começa por afirmar que "Quando no início do ano 2020 a pandemia Covid-19 se disseminou no planeta encontrou a sociedade humana mundial com um panorama de desigualdades sociais muito acentuadas" designadamente ao nível económico, educativo, de género, no trabalho, nas liberdades, entre outras.
Esta afirmação é importante porque atribui à desigualdade uma escala, uma dimensão mundial, e porque também lhe confere uma abrangência transversal, que vai muito para além dos aspetos económicos e de rendimento, a que muitas vezes se tende a reduzi-la.
O artigo também alerta para aquilo que é hoje já consensual: "as evidências apontam, infelizmente, para o agravamento das desigualdades sociais no mundo" e "os mais desfavorecidos e vulneráveis estão a ficar ainda mais desfavorecidos e mais vulneráveis".
De entre as diversas categorias sociais atingidas pelos efeitos diretos e económicos da pandemia, o autor destaca as crianças em idade escolar.
Sobre estas lança pistas importantes: "Têm tido dificuldades em prosseguir quer as aprendizagens escolares, quer a socialização interpares, ambas fundamentais nos percursos sociais de crescimentos. Estão em desigualdade educativa face às gerações anteriores e o afastamento físico e relacional das escolas alarga ainda mais as desigualdades entre eles - consoante os recursos educativos e económicos desiguais das respetivas famílias. As desigualdades de oportunidades futuras entre eles cavaram-se ainda mais."
Na mesma obra, Susana Martins da Cruz aborda mais aprofundadamente a "Educação e a COVID-19: Desigualdades, experiências e impactos de uma pandemia não anunciada".
Sabendo nós que a escola é, como a própria autora atesta, "um dos meios mais eficazes para contrariar as desigualdades de partida, que assentam nos contextos e recursos familiares" não é difícil concluir que os impactos desta pandemia provocaram um verdadeiro abalo e o "aprofundamento das desigualdades de um modo tão crítico". Adianta ainda que há 3 aspetos que contribuíram mais diretamente para o agravamento das desigualdades: os contextos e recursos das famílias e a forma como se traduzem nos desempenhos escolares dos filhos; as escolas e professores com capacidades instaladas muito desiguais para lidar com o regime de ensino à distância; e o acesso às tecnologias de informação por parte das famílias muito diferenciado.
De entre as medidas sugeridas pela autora destaco: criar soluções mais diversificadas que permitam ter como essencial o regime presencial mas combinado com atividades à distância; promover um debate sobre a avaliação de desempenho dos alunos; adequar as respostas de cada escola aos contextos e especificidades próprias; reforçar os recursos das escolas designadamente a ação social escolar como estratégia para combater o abandono escolar precoce; qualificar os professores em matéria digital; reduzir a dimensão das turmas, medida que beneficia especialmente os alunos mais vulneráveis e desfavorecidos.
Para além de tudo o que atrás foi dito, desenvolver um plano de recuperação das aprendizagens implica ainda não descurar o relacionamento da escola com os pais e comunidade em geral e adequar as respostas em matéria de saúde escolar.
Devemos continuar a aprofundar o conhecimento sobre os impactos da pandemia e não subestimar a necessidade de monitorizar as medidas que vão sendo adotadas. Todos somos poucos nesta luta pelo desenvolvimento integral e inclusivo das crianças e jovens dos Açores.