Opinião

A gelatina política e a crise das democracias ocidentais

Como compreender os mais recentes sucessos dos fenómenos populistas como Trump, Le Pen, Syriza e até mesmo Bernie Sanders, entre outros, nas democracias ocidentais? Análises não faltam sobre este assunto, desde as de enorme qualidade até às simplesmente medíocres, desde a esquerda consequente - que aponta para enfraquecimento das instituições democráticas face ao poder económico e interesses pessoais, o que leva a uma sub-representação dos cidadãos no processo governativo -; à direita “central” que considera existir uma degradação da moralidade na política e nos políticos que decidem, ignorando os factos, motivados pela ambição pessoal, ideologias bacocas e pelo compadrio partidário. Mais curioso ainda é que à medida que os analistas de esquerda e de direita se tornam mais “inconsequentes” e menos “centrais”, ou seja mais radicais, mais o seu discurso antipolítica conflui. Talvez em todas as perspetivas exista algum fundo de razoabilidade. Parece-me sensato assinalar algumas partes que me parecem corretas num artigo, do dia 23 do corrente mês, de Paulo Rangel sobre os motivos do sucesso do fenómeno Trump: A primeira é um cansaço enorme do eleitorado com a classe política, com os políticos e com a política. A segunda é a alta mediatização da política, que fez erodir os mecanismos de temperança e moderação da representação e aproximou as democracias hodiernas das clássicas democracias diretas (e, consecutivamente, das “demagogias” no sentido aristotélico). Finalmente, é a perceção e sensação dos eleitores (que corresponde, aliás, à realidade) de que o seu voto perdeu peso e importância e, por isso, é preciso apostar em protagonistas que lhes prometam restaurar o efetivo valor do “seu” voto. Democracias que, perante a cavalgada da interação direta dos média e das redes sociais, não foram capazes de absorver e incorporar essa profunda revolução tecnológica. E mais: não foram capazes de conciliar a escala territorial do direito de voto com a rápida e progressiva desterritorialização da política. Esta análise quase completa sobre o fenómeno “Trump” nos EUA, que pode e deve ser aplicada aos fenómenos populistas nas restantes democracias ocidentais, tem um objetivo claro para Paulo Rangel - que acaba por ser o maior pecado neste bom artigo: generalizar o exemplo americano onde a economia floresce e o Presidente é popular para, em paralelo, tentar desculpabilizar o fracasso das instituições europeias na condução económica e social da União Europeia. Na prática, o articulista realça um conjunto de razões válidas sobre o fenómeno do “populismo demagógico” nas democracias ocidentais para tentar ignorar que, nos dois Continentes, o “Estado” e suas instituições continuam a falhar em providenciar o mínimo de condições humanas, de igualdade de oportunidades e de solidariedade a todos os cidadãos e Estados Membros (no caso europeu). Mais, desconsidera flagrantemente a responsabilidade dos líderes políticos, corporativos e associativos moderados, no papel de assumirem a luta contra estes fenómenos. O oportunismo, o ego pessoal, a cobardia política e o permanente mau julgamento das circunstâncias tem sido apanágio de líderes moderados fracos, gelatinosos, que preferem não assumir as suas convicções e o seu estatuto de político ou de “parte”, para tentar agradar a tudo e todos, mas que na prática conduz a respostas vazias de conteúdo que funcionam como combustíveis para os partidos dos extremos. Como referiu o vice-presidente da comissão europeia numa entrevista ao jornal Público: “políticos medrosos conduzem a um crescimento da extrema-direita. É preciso ter um pouco de coragem, não se pode estar sempre a dizer apenas o que as pessoas querem ouvir.” Não é possível a um líder político, “não ser político”, ser de esquerda e de direita ao mesmo tempo, ou não ser nada disto e apenas social-democrata. Um político assume-se, não cria paradoxos. Se olharmos para Bernie Sanders, para o Syriza, para Trump ou Le Pen, apesar de totalmente antagónicos, por muito estranho que pareça, têm algo em comum: As pessoas consideram conhecer os seus pensamentos e convicções, por mais radicais e diferentes que sejam, face a uma realidade desgovernada, indefinida, insatisfatória e sem perspetivas de futuro e, isso dá segurança aos cidadãos.