Opinião

Telefono, logo existo

I. Já são vezes a mais para ser apenas coincidência. Demasiadas vezes para não ser uma estratégia político eleitoral. Enquanto líder político, Duarte Freitas optou por ser a lista de contactos do seu telemóvel. Podia ter sido o protagonista de uma nova abordagem de desenvolvimento da Região; podia ter sido o líder pelo qual o PSD Açores suspira há décadas; podia ter sido até uma cópia regional de Passos Coelho e do seu obsessivo pessimismo liberal. Mas não. Trocou o dever de constituir uma alternativa credível de governação pelo facilitismo de telefonar aos amigos e companheiros da governação de Lisboa para saber se há novidades e se essas novidades podem servir de compensação para a sua falta de propostas e ideias próprias. No fundo, trata-se de dizer aos Açorianos “mesmo que não me queiram eleger a mim, elejam a minha lista telefónica” ou, em jeito de slogan de outdoor, “Não sou eu, são as minhas connections!”. II. De forma sistemática, o líder do PSD Açores vem anunciar, cinco minutos antes, aquilo que o Governo Regional e o Governo da República levaram meses a articular institucionalmente. Foi assim com as novas obrigações de serviço público e a liberalização controlada das ligações ao Continente; foi assim com a reposição do diferencial fiscal na Região; foi assim também, e mais recentemente, com a eventual entrada de companhias low-cost na Terceira; e só não será assim por muito mais tempo assim, porque os portugueses, nas próximas eleições legislativas, vão obrigar Duarte Freitas a renovar a sua lista de contactos telefónicos. III.Mesmo dando de barato as questões éticas envolvidas, politicamente o comportamento do líder do PSD Açores revela debilidades difíceis de justificar. Desde logo, a dificuldade que sente em ligar para alguns setores da governação da Coligação. Defesa, por exemplo. Ou dá ocupado ou desliga-se após o irritante “está a ligar para um assinante que agora pertence à…”, porque, o que é facto, é que da falta de equipas de pilotos de helicópteros para as evacuações médicas à viabilização de outros usos para a Base das Lajes, os amigos da Defesa em Lisboa não têm conseguido dar boas primeiras-mãos. Outro exemplo está no próprio Gabinete do Primeiro-Ministro, secção “Calamidades”. Se o telemóvel tivesse funcionado, não acredito que Duarte Freitas não tivesse sido o primeiro a anunciar, cinco minutos antes de todos os outros, que o Governo da República ia afinal assumir a sua quota-parte nas obras de recuperação dos estragos provocados pelos temporais de março de 2013. Ou até nas Finanças, de onde parece que lhe respondem “Como?!” de cada vez que liga a perguntar pela reposição das transferências ao abrigo da Lei das Finanças Regionais. III. O problema é esse: quando só se vale pelos amigos que se diz ter, se eles falham, passamos a valer zero. Deixar o futuro político nas mãos de terceiros é de uma ingenuidade que não se coaduna com os anos de prática que já leva o líder do PSD Açores. Não deve ser, por isso, uma questão de candura. Parece-me sim uma questão de falta de peso específico e isso em política costuma ser fatal. Não é algo que se possa resolver com recurso ao telemóvel ou à lista de contactos. Implica imaginar o que se quer, construir o modo de o conseguir e fazer com que os outros acreditem que é possível. E isso dá muito mais trabalho do que ligar para Lisboa.