Opinião

A questão inquestionável

Se há coisa que sempre me impressionou na sociedade portuguesa é a capacidade de algumas ideias se instalarem na corrente opinativa e de se tornarem insofismáveis. Este aparente paradoxo - pois uma ideia não pode ser, por natureza, incontestada – “acomoda-se” com muita facilidade nos discursos dos comentadores, jornalistas e nas redes sociais – ganhando, de imediato, contornos de “corrente” - carecendo, geralmente, de sustentação sólida, que vá para além da análise na “rama” de um ou outro facto. Sim, é verdade que foi durante o Governo PS que o Estado português teve que pedir ajuda externa, com responsabilidades óbvias para Sócrates. Mas é quase impossível afirmar - sem ser barbaramente insultado nas redes sociais e ignorado pelos jornalistas – que há responsabilidades partilhadas, nesta matéria, com toda a oposição, onde se inclui o PSD e Passos Coelho, que chumbou, na Assembleia da República, o PEC IV, aprovado por Bruxelas, BCE e a Alemanha, provocando assim a queda do Governo e lançando o país no caos. Sim, é verdade que o Governo de então, socialista, negociou com a troika o programa de ajustamento. Mas, quase ninguém se lembra, que Passos Coelho, indicou Eduardo Catroga para seu representante nesta negociação e que este “clamou” o resultado final do programa de ajustamento como uma “vitória do PSD”. Passos Coelho, inclusive, garantiu – publicamente a uma jovem - durante a campanha eleitoral - que o programa negociado “passou a ser o programa do PSD”. Deu, inclusivamente, garantias de que o PSD não cortaria nos subsídios de férias e de natal, e que evitaria muitos sacrifícios. É voz corrente que o país fez o ajustamento interno da sua economia, indo para “além do que pedia a troika”, impondo sacrifícios duríssimos aos portugueses. Hoje, Passos Coelho afirma que, afinal, o programa da troika “estava certo”, que a espiral recessiva era um mito e que o único erro do Governo foi não ter “atacado” mais a despesa pública em detrimento do aumento da receita (aumento de impostos e privatizações). Nada mais falso! Não só não foi isso que aconteceu, como se provou que a troika estava enganada! O Governo PSD atacou a despesa corrente, os consumos intermédios, as tais “gorduras do Estado”, cortou brutalmente no investimento público, criando uma recessão sem precedentes no país. Passou, inclusive, a título do exemplo hipócrita próprio do Estado Novo, a andar em classe económica nos aviões. Estranho!? Talvez não. Esta política permitiu perceber que a despesa corrente, em cerca de 80%, é composta por salários, pagamento de água e luz e outras despesas que garantem que o Estado funcione e que o corte nestas despesas leva a uma brutal retração no consumo interno e na capacidade que o Estado tem de funcionar. O Estado, em vez de ficar mais leve, ficou estrangulado, mais moroso, “arrastando-se” na resposta ao país, mais do que imperativa nessa altura. A espiral recessiva surgiu então: quanto mais o Governo cortava na despesa, mais o consumo interno caía, mais empresas faliam, mais despregados ficavam ao abrigo do subsídio de desemprego, mais aumentava a despesa social, menos receita era arrecadada. O Estado não foi reestruturado, foi amputado! Não fosse o Tribunal Constitucional a obrigar o Governo a moderar, substancialmente, o caminho da austeridade e o BCE, “grosso modo”, a dar garantias à dívida portuguesa e jorrar liquidez para os mercados, os danos no país poderiam ter sido irreversíveis a prazo. Agora, com os juros baixos, parece que tudo está no caminho certo e que não havia outra alternativa de caminho. Mas essa tal “ideia insofismável” é desmentida pelo conteúdo validado do Programa de Governo do PS e pelo próprio FMI quando afirma que “Fatores locais melhoraram desde o final de 2011, liderados pelos progressos no saldo externo, mas são apenas responsáveis por 14% da descida dos spreads” enquanto “a melhoria dos fatores globais explica 65% da descida”.