Opinião

Um País, duas zonas: A respeito da saúde e de outras coisas

Angra do Heroísmo e Ponta Delgada estão entre os 5 melhores centros urbanos para se viver em Portugal. A conclusão do estudo da DECO, que tratou mais de três mil inquéritos em 21 cidades, tendo como dos onze parâmetros de qualidade de vida analisados, entre outros, a segurança e a saúde. Uma boa notícia, sendo que este estudo foi também feito noutros países como Itália, Bélgica, Espanha e Brasil, tendo Bruges (Bélgica) ficado em primeiro lugar de todas as cidades inquiridas. Contudo, não é de descurar que duas cidades açorianas ocupem o terceiro e quinto lugares da lista de cidades inquiridas em Portugal, como sendo das melhores cidades para se viver. Isto, quando a BBC indica a ilha do Pico como uma das cinco melhores ilhas secretas do planeta, referindo a “pena” do desconhecimento de tal maravilha natural. Para nós, açorianos, nada que já não soubéssemos, mas o reconhecimento é cada vez mais visível e importa ressalvar sob pena do nosso próprio desconhecimento. Obviamente que estas são boas notícias para a nossa região, uma vez que são sempre pontos que despertam o interesse de quem lê essas notícias e que, se não conhecia, passa a conhecer a existência das cidades e também da ilha. Beneficia-nos directamente por sermos uma região que tem mantido uma qualidade de vida equilibrada e este tipo de distinção acaba por provar o bom caminho percorrido; e indirectamente beneficia Portugal como país uma vez que os Açores ainda são parte de Portugal. Ainda são e sê-lo-ão sempre. Mas de vez em quando, mercê dos óculos com que o olhar de Lisboa nos aprecia, parece que vivemos num país que tem duas zonas distintas, a vários níveis: a zona continental e a zona das ilhas. Na zona continental há uma coisa, na zona das ilhas há outras coisas e por vezes parece que as coisas não são compatíveis. Pelo menos é o que poderemos pensar quando o Governo da República reclama uma dívida do Serviço Regional de Saúde à República nos moldes em que o faz. Infelizmente, voltamos ao mesmo – a autonomia incomoda muito. E se não é pela reprimenda presidencial ou pela Assembleia, há sempre alguma forma de inquinar processos legítimos e democráticos. Os Açores são autónomos por necessidade e por convicção. Não por birra. Lisboa não conhece a nossa realidade, e parece que insiste em não querer conhecer. O interior português não é comparável aos nossos arquipélagos. São realidades e constrangimentos distintos, porquanto se numa aldeia do interior há a possibilidade de chegar à urbe de carro, quem vive no Pico, para usar o exemplo da ilha secreta, terá sempre de se socorrer de um avião para chegar a Lisboa. Tal como o editorial deste jornal tão bem alertou no passado dia 26 deste mês: “É bom que se diga que a Região só envia para os hospitais nacionais situações que não consegue resolver nas ilhas e que é mais do que legítimo que o Sistema Nacional as deva cuidar como cuida de qualquer outro cidadão de Valença do Minho a Vila Real de Santo António”. E é isto que aqui está em questão: um paciente dos Açores, por viver nos Açores, será tratado como estrangeiro quando necessita de recorrer ao Sistema Nacional de Saúde porque não tem hipótese de ser tratado na sua região? Quem vive em Angra é diferente de quem vive em Braga? Antes que me acusem de incoerência de raciocínio, esclareço: é muito diferente viver numa ilha ou no continente – daí que tenhamos especificidades próprias que a nossa autonomia salvaguarda; mas por ser diferente viver não quer dizer que sejamos cidadãos diferentes e com tratamento diferenciado. Como o Presidente do Governo Regional, Carlos César, disse recentemente, referindo-se aos partidos políticos dos Açores acerca desta questão: “o que é importante agora é perceber se esses partidos acham que um doente que precise de fazer um tratamento em Lisboa, por ter cancro, se esse doente, quando chegar a Lisboa, deixa de ser português, fica lá como se fosse um estrangeiro e, por isso, nós vamos ter de pagar.” Virá da República tanto repúdio à nossa autonomia e ao nosso Sistema Regional de Saúde que, não pretendendo afirmar claramente que os açorianos deverão ser tratados como diferentes, coloca a diferença dos sistemas como razão para atribuir à região a responsabilidade dos gastos de deslocação? É fundamental que estas (e outras) questões se esclareçam, sob pena de o conceito de unidade nacional estar em questão. É porque para além da saúde, os Açores também têm um sistema regional de educação (ao qual o continente vem buscar muitas das suas ideias) e não lhes (à República) passe depois pela cabeça dizer que os alunos açorianos devem ser tratados como alunos de Erasmus quando estiverem deslocados a estudar no continente.